sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Os opostos dialogam

I’d pray to God if there was heaven

But heaven seems so very far from here

And it all boils down to the same old thing

Just a yin and a yang or a couple of pipe dreams

And it all boils down to the same old pain

Whether you win or lose isn’t gonna change a single thing

(Travis - Pipe Dreams)

 

-       Ah, esquece logo isso!

-       Mas não é assim fácil esquecer as coisas.

-       Quem consegue uma e duas vezes, consegue três, quatro, cinco...

-       Mas você é a “F*#@-se”. Os chifrinhos e o rabinho não negam.

-       Olha aqui, quem é que ajuda a superar as coisas sempre que precisa?

-       ...

-       Então... Hellooooo!?

-       Como você se acha.

-       Isso é papo de gente certinha demais.

-       Só que sem mim, você não é nada.

-       Como se essas asinhas te fizessem voar.

-       Pára de implicar comigo. É que foi algo recente. E você aproveitou mais do que eu, hein?

-       Nem tanto assim.

-       Sei sei.

-       Sabe qual o seu problema?

-       Diga.

-       Você é muito poliana. Parece um filme do Frank Capra e todas aquelas polianices de herói exemplar em um mundo cruel, o verdadeiro amor, os discursos politicamente corretos e irritantes...

-       Mas até você gostou de A felicidade não se compra.

-       Prefiro Apocalypse Now.

-       Tá. Mas o que você sugere para eu ser menos poliana?

-       Tira umas férias e deixa que cuido de tudo.

Desde então, assumi o controle total. Não pensem que eu sou totalmente má. Sou apenas um complemento necessário; a força para mudar e melhorar as coisas; o racional sobreposto ao sentimental. 

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O tênis

Meu episódio preferido da segunda temporada de Seinfeld é The Jacket: Jerry compra uma caríssima jaqueta de camurça e fica obcecado por ela. Usa a peça o tempo todo, olha-se no espelho e até admite se sentir mais confiante quanto a está vestindo. Compreendo Jerry. Já me senti assim também, mas não era uma jaqueta, e sim um par de tênis. E que fique bem claro: O par de tênis.

Quem me conhece sabe que eu não sigo determinado estilo. Gosto de vestido, calça jeans, baby looks com estampas de bandas ou filmes, blusinhas decotadas... Mas a minha inclinação é mais indie, despojada e confortável. Então, quando vi aquele Reebok Zenswa Press, pensei “preciso de um desse!”.  E sou assim: quando foco em alguma coisa, persisto naquilo (como acha que eu consegui me tornar vegetariana sem muito esforço em apenas um mês?). Entrei na loja, pedi meu número, calcei e imediatamente aprovei – e olha que sou difícil para comprar roupas e calçados.

Nos primeiros meses, sentia-me como o Super-Seinfeld: aquele tênis me fazia sentir cool, uma indiezinha à solta pelas ruas paulistanas, nas noites musicais da Augusta e no circuito de cinema alternativo da Consolação.

Quase um ano depois, ainda me sinto assim com o tênis-jornal. Não sou consumista e não suprimo vazios latentes com bens de consumo, mas realizei uma meta – por mais boboca que possa ser. 

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Da série...

...Candidato a teste do sofá

Jake Gyllenhaal

domingo, 24 de agosto de 2008

Matadores de canções

O bar estava cheio, com muita gente falando e rindo alto. A fumaça dos cigarros pairava sobre o ar como névoa em uma manhã de verão, tornando o ambiente ainda mais abafado e embaçado. Formávamos uma mesa com oito pessoas e aguardávamos ansiosamente pelo momento em que o videokê fosse ligado, pois assim nos divertiríamos ainda mais com os clientes exaltados, em pé no palco com um microfone na mão, muita pose e bastante desafinação.

Não demorou muito para que um dos funcionários convocasse o primeiro cliente-cantor para dar uma prévia de o quanto a noite seria divertida. Um homem alto se levantou e seguiu em direção ao microfone. Apresentou-se e escolheu uma música nacional dos anos 1980. Era visível que ele queria fazer umas gracinhas e impressionar a moça que o acompanhava, lançando a todo momento olhares apaixonados. Parecia aquele tipico cara mais engraçado da classe - alusão àquele colega pentelho que adora chamar a atenção.

Quando a apresentação terminou, meus amigos resolveram me sacanear: eu, a pessoa mais irritantemente comedida e reservada do grupo, fui apontada como a próxima cantora. Se me recusasse, seria a chata da noite. Se aceitasse imediatamente, seria a garota que gosta de aparecer – daquelas que levantam rindo alto, tropeçam antes de chegar ao palco e escolhem uma música da Ivete Sangalo. Então, enrubesci e lancei um olhar pedindo misericórdia aos meus colegas de mesa, que riram sem piedade. Um deles fez questão de me acompanhar ao palco e ajudou a escolher a canção mortificante: Because you loved me, da Celine Dion. Péssima escolha, eu sei, mas não tinha nenhuma nacional de que eu gostasse muito. E das internacionais, optei por aquela que tivesse a letra mais fácil, embora o tom deixe qualquer amadora sem fôlego.


Enquanto cantava e prestava atenção nos versos, percebi que eram muito fortes. Surreais como um quadro de Dalí, transbordando exagero e delírio. Poderia ser uma canção gospel, se colocar um deus no papel do amante; ou suicida, já que a declaração de amor faria qualquer depressivo na fossa querer cortar os pulsos diante de paixão tão perfeita.

Ao final da cantoria, voltei à mesa. Tentei comentar tudo o que passava pela minha cabeça enquanto estava sozinha no palco, mas ninguém me deu ouvidos. Pouco importava o que eu havia interpretado. Mais uma rodada e expectativas em ebulição. Próximo!

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Toffee nostálgico

Estava concentrada em meu trabalho quando uma colega ofereceu bala. Não sou muito fã de doces (a não ser torta mousses ou sorvete de pistache), mas aceitei. Guardei a guloseima na bolsa para saboreá-la em um momento mais oportuno, provavelmente quando estivesse voltando para casa.

Anoiteceu e chegou a hora de ir embora. Dirigi-me com passos apressados ao ponto de ônibus e, com jeitinho, consegui lugar para sentar, um tanto apertado, mas ainda assim muito melhor do que ficar em pé com uma bolsa no ombro. Lembrei-me da bala que havia ganhado. Procurei-a na bolsa e, depois de apalpar uma caneta e um porta-moedas, a encontrei. “Hum, toffee caramelo”, pensei ao desembrulhar o pequeno doce e colocá-lo na boca. Aquela textura irregular, o aroma e o sabor me levaram a algum momento da infância. Estava na casa de meus avós maternos e havia acabado de almoçar. Sentada no sofá, via algum programa na TV, quando meu avô se aproximou com um pacote de toffee e falou para eu pegar alguns. Enchi a mão e guardei outros no bolso, enquanto minha avó dizia para ele:

- Zé, cuidado com a diabete. Não fica comendo esses doces não porque depois isso daí sobe e você fica passando mal à noite.

Mas ele não lhe dava ouvidos, apenas sorria e desembrulhava seu toffee. Falava da cesta de Natal que receberia da empresa, com biscoitos, chocolates e novidades, e que distribuiria entre os netos.

Uma freada do ônibus me trouxe ao presente. O toffee terminava de se dissolver em minha boca, grudando nos dentes do fundo e fazendo com que o gosto bom durasse mais tempo, até desaparecer completamente, como algumas pessoas que fizeram parte de minha vida.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O doce e a alface

Subia tranquilamente a rua quando vi um senhor, desses que se vestem bem e se aposentam tardiamente, pois, para eles, trabalhar é mais do que garantir as compras do mês: é prazer. Mas o que chamou a minha atenção não foi o terno que ele vestia ou o relógio de pulso que usava, e sim o que ele levava: Na mão esquerda, um pé-de-moleque, o qual saboreava; na direita, para a minha surpresa, havia uma folha de alface. Fiquei imaginando por quê aquele homem segurava dois alimentos tão distintos – e, ao que parece, a salada era o acompanhamento do pé-de- moleque.

Implicância minha? Pode ser. Só que eu não teria motivos para implicar, já que eu sou mestre em degustar alimentos salgados com doces. Por exemplo, alguém mais já experimentou purê de batatas com cereja? Suponho que não. Mas arroz com passas, salada de maionese com maçã ou morango, frango com molho de laranja e salmão com molho de maracujá são alguns dos “salgados adocicados” mais comuns.

O senhor seguiu seu caminho, sem se preocupar com os passantes que reparavam na sua pequena merenda. Deve ter chegado ao destino sem a guloseima e a verdura em mãos, mas com a certeza de que o olhar da moça curiosa não atrapalhou em nada sua mania de misturar sabores e texturas tão diferentes.

Adendo: Surpreendentemente, vi o mesmo senhor dois meses depois fazendo o mesmo trajeto com um pé-de-moleque na mão. Percorri os olhos, buscando a folha de alface e lá estava, na mão direita dele, pequena e verde.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Idiota sim, e daí?

“(…) é perfeitamente legítimo não votar, não discutir, não se interessar; é perfeitamente legítimo valorizar a vida privada acima de todas as outras; é perfeitamente legítimo repudiar a cidade e os seus representantes pela valorização de qualquer outra forma de existência. A liberdade pessoal não se define pelo destino que damos às nossas ações; ela começa por ser um espaço nosso, em que não existe a interferência intencional de terceiros. Um espaço no qual agimos, ou não agimos, como queremos e entendemos. (…) Os gregos admiravam a vida pública sobre qualquer outra. E reservavam o rótulo de ‘idiotas’ para quem discordava. Não é grave, leitores, não é grave. Ontem, como hoje, melhor ser ‘idiota’ do que escravo.

 Esta pequena citação é um trecho de Eu, o idiota, artigo do fenomenal João Pereira Coutinho publicado hoje no caderno Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo. Assinantes do UOL ou da Folha podem ler texto na íntegra aqui.

Sinto-me mais idiota após essa leitura. Porém, menos desinteressada, relapsa e escrava . Melhor assim…

domingo, 17 de agosto de 2008

Uma tarde de inverno

Ahhh, seasons change with the scenery
Weaving time in a tapestry
Won't you stop and remember me
At any convenient time
Funny how my memory slips while looking over manuscripts
Of unpublished rhyme
Drinking my vodka and lime

(Simon & Garfunkel - Hazy shade of winter)

- Dê tempo ao tempo.
- O que isso quer dizer?
- Que a gente se fala...
Terminado o diálogo, os dois se afastaram, cada um para o seu lado. Ela desceu as escadas refletindo naquela resposta. Refletia tanto que aquilo irritava até ela mesma. E quando não refletia, falava ou agia sem pensar; e depois, dependendo da situação, queria voltar atrás e tentar mudar o que já havia passado.
Preferia pensar nas coisas com pessimismo, pois se algo desse errado, pelo menos teria a razão mais uma vez. "Ah, sabia que seria assim... Detesto ter sempre razão". Mas no fundo, ela gostava de estar certa. E se, ao contrário do que imaginava, o resultado de alguma ação fosse um sucesso, ficava contente em dobro e desfrutava ainda mais daquele êxito.
Estava muito confusa ainda. Era mais feliz quando não se importava com ninguém e aproveitava seu individualismo sem se preocupar com horário e responsabilidades. A cabeça vazia, os pequenos desejos se concretizando, a paisagem urbana ganhando um significado além de sua percepção. Os filmes eram muito mais obras de arte do que máquinas de dinheiro e de entretenimento público - e Visconti não era apenas uma marca que fabricava panetones. As músicas tinham melodias e letras mais cativantes - e Simon & Garfunkel não cantavam só Mrs. Robinson. A literatura emanava cores, texturas e sons - e um livro não simbolizava simplesmente status intelectual.
Daria tempo ao tempo. Sem ponteiros nem marcações. Acenderia um cigarro e aprenderia a gostar daquilo pelo qual nunca havia se interessado. Afinal, tudo era incerto - até mesmo suas certezas.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O pijama

Ela havia comprado aquele pijama em uma tarde de inverno. A calça e as listras da blusa branca eram lilases, e o modelo do conjunto era feminino e delicado, além de quente e ideal para as noites frias daquela época do ano.

No primeiro final de semana em que vestiu a roupa de dormir, ele estava em sua casa. Havia gostado do pijama, como falou e demonstrou. Ela se sentia meio engraçada naquele traje, talvez um pouco mais sexy do que o costume. Ficava pensando que agora tinha a roupa apropriada para uma Festa do Pijama, embora nunca cogitasse ir.

A blusa, que se assemelhava mais a uma camisa social feminina, tinha pequenos botões, que combinavam com as listras. Eles foram abotoados e desabotoados várias vezes. Em algumas ocasiões, seu corpo ficava tão quente que acabava optando por uma peça mais leve no momento de dormir.

Usou a roupa durante algumas semanas. Inexplicavelmente, ela foi abandonada e guardada na gaveta. A peça estava lá, mesmo nas noites frias, e foi trocada por algum moletom velho. Ela não conseguia mais vesti-la sem se lembrar dos beijos, dos sussurros, dos sorrisos matinais e das cócegas. Foi uma aposentadoria precoce para um pijama que tão poucas vezes vestiu seu corpo. 

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Da série...

...Não se faz mais homens como antigamente

Marlon Brando

domingo, 10 de agosto de 2008

Muse em São Paulo

Algumas palavras sobre o show do Muse, realizado dia 31 de julho em São Paulo:

- Matt Bellamy é um rapaz franzino e simpático. Quando começa a cantar e a tocar sua guitarra, se transforma em um gigante. Poser, sim. Mas com muito respeito.
- Christopher Wolstenholme não é apenas o baixista da banda. É O baixista, um instrumentista fora de série. Bellamy pode até fazer pausa para a água que o colega dá conta de sua ausência.
- Dominic Howard, o baterista, é o loirinho gatinho. Muito mais bonito ao vivo, ele também é ainda mais talentoso. O chuchuzinho da banda ainda disparou que a platéia era a melhor do mundo. Nós já sabíamos…
- Levei uma cotovelada na boca logo no começo do show. Mas nem o corte no lábio inferior me impediu de gritar – embora doesse um bocado.
- Starlight é maravilhosa. Ao vivo, então, é um presente dos deuses (se eles existissem). Chorei de emoção. Vontade de voltar no tempo…
- A vítima da noite foi Jay Vaquer, responsável pelo show de abertura. O público apático o ignorou. Estávamos lá para ver o Muse!
- Já o grande vilão foi… o HSBC Brasil. Precisam melhorar o som e o ar-condicionado da casa. Além, é claro, de levantar mais o palco para o público de trás poder assistir melhor às apresentações.
- “Até o Oasis se comunicou mais com o público no show de 2006 do que o Muse”. Ouvi esse comentário na saída do show. O trio inglês é bastante tímido. E essa foi a primeira visita deles no Brasil, e não a terceira.
- As imensas bexigas brancas e o jato de gelo seco deram um charme divertido ao show. Pena que não alcancei nenhuma bexiga…
- Para fechar em 10 tópicos: “Olê, olê, olê, olê! Musê! Musê!”, gritado em coro pelo público.

Wolstenholme, Bellamy e Howard: Muse power trio

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Sexo, café e rock’n’roll

Lá estava eu, calada e abatida, sentada à mesa de um fast-food com algumas pessoas em plena tarde chuvosa de domingo. Como não sentia fome e fazia um frio agradável, resolvi pedir um chocolate quente. Pequeno. Cappuccino seria bom, mas café me dá ansiedade. Exageros à parte, fico que nem o Hammy quando toma energético em Os sem-floresta.

Chegou a bebida, quente e... cheirando a café? Eu estava amortecida por um certo desânimo e minha percepção gustativa estava com o fio queimado – só isso para explicar como não percebi que aquilo era uma bebida com café na primeira prova.

Quando finalmente notei a presença da cafeína naquela xícara, já estava envolvida pelo seu  sabor e aroma. Tomei até terminar.

Enquanto a conversa se tornava animada na mesa, comecei a me sentir estranha. Quando percebi, já estava falando mais do que o normal. A cafeína finalmente havia subido à cabeça. Sou como Seinfeld, não posso com café.

Depois de acrescentar essa substância lícita no sangue, eu queria mais! Já tinha o café, faltava o sexo e o rock’n’roll! Se tivesse uma balada de rock para ir, me dirigiria para lá. Dançaria como se fosse a noite de sábado da canção do Kaiser Chiefs. Sabe-se lá como terminaria... acho que precisaria emendar um Cosmopolitan para fechar a noite.

O efeito daquela pequena xícara durou um tempo. Meu coração foi desacelerando aos poucos, e o domingo foi chegando ao fim. Se eu tomar um drink alcoólico à base de café ficarei elétrica. Ou, como dizem, Duracell mode on por muito mais tempo.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

"Musos" inspiradores - Parte I

No momento, tenho dois musos, paixões (quase) platônicas. Um deles eu vejo toda segunda-feira. O outro, eu leio sempre que posso. Eles nem sabem que existo; sou uma entre milhares.

O primeiro apresenta o CQC ao lado de Marcelo Tas e Rafinha Bastos. Nunca vi ninguém falar tanta besteira por programa (acho que quebra o recorde do Danilo Gentili). Mas ainda assim, sou apaixonada por ele. Marco Luque. Não apenas porque é lindo e engraçado. Ele é... assim... ai ai... E como humor é umas coisas mais difíceis de fazer – e eu gostaria tanto de levar jeito para isso –, adoro vê-lo improvisando, falando coisas ou muito engraçadas ou completamente sem nexo (mas, ainda assim, divertidas pelo constrangimento, entende?). E eu, tímida e contida, pensando se um dia deixarei de ser sem-graça.

O segundo escreve quinzenalmente para a Folha Online e tem um ótimo site  com seus textos. É o tipo de autor que leio e penso: “Puta que o pariu! Esse cara é demais”. Trata-se do jornalista português João Pereira Coutinho. A forma como argumenta e expõe a opinião, o domínio da linguagem e a leveza do texto... isso me causa inveja. É como um aspirante a escritor ler F. Scott Fitzgerald ou Ernest Hemingway e pensar “Jamais vou escrever um livro...”. Ou uma blogueira que lê Arquitetura do arco-íris, da Cíntia Moscovich, e se maravilha com a sensibilidade dos contos. 

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Quero ser Emma Woodhouse

Alguns querem ser John Malkovich. Outros, Alfred Hitchcock – Brian De Palma e M. Night Shyamalan, para citar os mais famosos. Algumas moças aspiram ser Marilyn Monroe (90% das platinadas). Outras, Madonna (Britney Spears que o diga). Eu não quero ser nenhuma celebridade ou famosa (claro que eu adoraria ter a beleza da Monica Bellucci, da Audrey Hepburn ou da Sophie Marceau, mas...). Quero ser uma moça mimada e imperfeita, porém adorável e inteligente. Quero me arrepender ao dizer coisas indevidas e pedir desculpas. Quero ter alguém que aponte meus defeitos e ajude a me tornar uma pessoa melhor – e não perfeita -, mas ainda assim continuar teimosa e um tanto persistente. Quero estar rodeada de pessoas queridas, ir a festas, dançar, cantar e me divertir. Quero ser surpreendida ao notar que nem sempre estou certa e que o mundo reserva mais surpresas do que imagino. Quero um amigo e  amante como o Mr. Knightley: um cavalheiro sensato, educado, inteligente e apaixonante. Quero ser Emma Woodhouse, porque ela é tudo isso – só que não é real. E digo mais: Jane Austen rules!

O livro: trecho da declaração de Mr. Knightley a Emma

- Não posso fazer discursos, Emma – prosseguiu o Sr. Knightley, em um tom de suavidade sincera que denotava uma profunda e convincente ternura. - Mesmo que a amasse menos, não conseguiria dizer mais do que já disse. Mas você sabe como eu sou. Nunca ouviu de mim senão a verdade. Eu a acusei, a repreendi e você aceitou essas atitudes como nenhuma outra dama da Inglaterra o faria. Receba as verdades que vou lhe dizer agora, querida Emma, tão bem como se houvesse nascido com elas. O modo que vou dizê-las talvez as recomende muito pouco... Deus sabe que tenho sido um apaixonado muito indiferente. Mas você me compreende. Sim, veja, você compreende meus sentimentos e os retribuirá, se puder. No momento, peço-lhe apenas que me permita ouvir a sua voz, pelo menos uma vez.

AUSTEN, Jane. Emma. Trad. Therezinha Monteiro Deutsch. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Best Seller, 2006.

O filme: Gwyneth Paltrow (Emma) e Jeremy Northam (Mr. Knightley) em cena



A adaptação cinematográfica é de 1996 e foi dirigida por Douglas McGrath. O elenco também conta com Ewan McGregor, Toni Collete, Alan Cumming, Greta Scacchi e Polly Walker.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Frase perdida

Eu não sabia como dizer. Fiquei esperando ele falar alguma coisa – e falou muitas. De tantas palavras e frases, nenhuma era aquela que eu queria ouvir. Continuei em silêncio, apenas respondendo a uma pergunta ou outra que ele fazia. Senti medo em dizer, pois não queria ser a primeira. Preferiria que ele dissesse e eu respondesse com um “também” no final. Não, não. O “também” ficaria mais bonito se viesse depois do pronome pessoal.

Olhei no relógio e a hora passava devagar. Comecei a pensar várias bobagens começando com “e se...”.  Será que eram mesmo bobagens ou faziam algum sentido naquele momento? Ele notou minha inquietude, e perguntou se estava tudo bem. Estava e não estava. Coisas de mulher, querer que adivinhem o que deseja e satisfaçam sua vontade. Não tem graça saber que algo foi feito ou dito porque você pediu, mencionou ou deu uma indireta. É tão bom quando você pensa e aquilo acontece. Ainda bem que só no cinema o homem entra na cabeça das mulheres e sabe o que elas querem, já que seria um tanto desagradável se ele soubesse tudo mesmo.

Optei por responder que estava tudo bem. Apenas uma dorzinha de cabeça que me impedia de falar tanto quanto costumava. (Ah, a dor de cabeça! Bela desculpa.) Ele olhou no relógio também. Disse que eu deveria estar cansada, parecia abatida. Despediu-se longamente. Não disse o que eu queria ouvir. Quando se afastou, chamei pelo seu nome. Ele se virou para mim, com aquela expressão de “esqueci alguma coisa?”, e eu finalmente disse a frase. Foi pronunciada de forma curta e discreta, elegante até. Brigitte Bardot não teria feito melhor. Surpreso, voltou para perto de mim e me beijou.

Passaram-se anos. Tive muitas dores de cabeça, mas nenhum filho. A frase perdeu a importância e desbotou com o tempo, assim como as cores daquele momento, agora em tom sépia.