Conversavam os dois, um de frente para o outro. Conheciam-se pouco, nunca haviam tido a oportunidade de se falar assim, sem a interrupção de algum colega bêbado segurando uma longneck de cerveja, incentivando ele a pegar alguma das meninas da festa. Ou então, sem aquela amiga grudenta, que precisa de companhia para comprar energético, ir ao banheiro e até para se aproximar de algum rapaz que considerasse interessante.
- Eu adoro literatura. Sou um devorador de livros, principalmente clássicos. William Faulkner foi o autor que mais me marcou.
- Ai, não acredito! O meu também! Adoro O som e a fúria. – ela mal conseguia disfarçar a excitação em estar frente a frente com um cara intelectualizado
- Nunca imaginaria isso de você, a moça que vai em balada que toca pagode…
Ele lançou um olhar desafiador, zombando de Clarice. Gostava de impressionar as pessoas, falar sobre si mesmo, mostrando o quanto era inteligente e informado. Mas se ela sabia o nome do livro, talvez estivesse sendo sincera como ele.
- Mas você não se esqueça que foi nessa festa regada a pagode que nos conhecemos. Minha amiga me arrastou para lá, e você parece ter sido arrastado pelo amigo bêbado também.
- Acabo aceitando a situação como uma forma de pesquisa antropológica, ficar observando o comportamento humano sob o efeito de álcool, drogas e música duvidável. Fora o requebrado das minissaias e jeans apertados, apoiados pelos decotes exuberantes. – acendeu um cigarro de marca estrangeira, exalando um aroma oriental envolvente.
- Eu não gosto de cigarros, mas esse aí tem um cheiro bom. Fale mais sobre o que você gosta.
Ela olhava diretamente para Thales, que tragou, olhou para o teto e comentou todos os autores, diretores, filósofos, jornalistas, músicos e pintores que admirava. Ele parecia ter saído de alguma palestra acadêmica dos anos 70, todo blasé e culto, além das roupas propositadamente estranhas.
“Ai meu Deus, esse homem é tudo. Se eu fosse um zumbi, devoraria seu cérebro agora e levaria o resto para me divertir em casa”, Clarice pensou, cada vez mais impressionada e empolgada com a demonstração surreal de conhecimentos gerais. Ele, por outro lado, sentia-se como um vencedor, mais uma vez. “Pronto, a noite aqui já deve estar acabando. Ela está sorrindo muito e não para quieta na cadeira”, concluiu.
- Clarice… como a Lispector… vamos embora? Lá em casa eu te mostro minhas coleções e você vai ficar ainda mais impressionada.
- Meu pai adorava a Lispector, como você adivinhou?
- Ah, você é tão interessante quanto ela. – a resposta ruborizou as bochechas pálidas da moça. – Então, o que me diz? Vamos?
- Sim, quero ver se é verdade tudo isso que me contou agora. – respondeu sem hesitar, enrolando alguns fios de cabelos com os dedos.
Pagaram a conta e saíram os dois: ele com as mãos nos bolsos, e ela vendo as horas no visor do celular.