terça-feira, 30 de setembro de 2008
These charming men
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
A propósito do deslumbramento
Como eram mais doces aquelas manhãs em que acordava ao seu lado, sorridente e serelepe. O mau hálito já não tinha tanta importância, nem as remelas nos olhos que acabavam de abrir. O estômago roncava de fome, mas a vontade de ficar ali só mais alguns minutos o prendiam à cama. O dia estava começando, ensolarado e fresco. O vento atravessava as frestas da janela do quarto e empurrava suavemente a cortina, que dançava melancolicamente em um ritmo quebrado.
Era tudo tão novo, tão gostoso, tão... deslumbrante. Ela só conseguia enxergar o que havia de bom naquilo tudo. Defeitos, manias e implicâncias eram jogados no canto e ficariam ali durante algum tempo, até serem remexidos e desmistificados.
Contentava-se com pouco. E havia poucos e poucas naquela convivência. Poucas discussões, poucos argumentos, poucos beijos, poucos passeios, poucas idéias e poucas confissões. Era tudo morno, mas proveitoso. Desde quando se tornaram mais íntimos, ela cravou uma fantasia na cabeça de que todas aquelas maravilhas eram obras dele: ele era muito bom, não podia negar.
Mas um dia, o deslumbramento revelou-se fajuto. Mirrado, azedo e irritante. Bobo, fantasioso e falso. Franzindo a testa, com os lábios imóveis e o maxilar tenso, mergulhou e revirou o espaço gelatinoso que separava o imaginário do real, esticando as mãos para alcançar rapidamente as imagens que buscava. Tocou-as com as pontas dos dedos e retrocedeu. Estava tudo ali, tão claro e recompensador que esboçou um sorriso malicioso. Ela era a dona daqueles momentos; ela os controlava e manipulava para serem como eram. Com um ímpeto feminista, desfrutou da solidão e caiu em um sono profundo logo em seguida.
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
As aventuras de Dindim
(ou Como explicar didaticamente economia para crianças)
Todos os meses, Dindim se aventura pelo mundo da economia, dos sonhos, da necessidade, do consumismo e do pão-durismo. Dindim não anda sozinho e está sempre acompanhado do seu fiel companheiro, Tutu, além do Capitão Estoque.
Em uma de suas recentes aventuras, Dindim enfrentou a alta dos barris de ouro negro. Em um contexto aparentemente distante, esse acontecimento quase fez Dindim sumir, de tão inerente que está em sua vida. Sorte dele que o Professor Metanol estava por perto e pôde salvá-lo. No entanto, até o velho Professor passou por maus bocados por causa de outra crise, mas isso já é outra história.
Ultimamente, Dindim tem andado meio esquivo. O nervosismo e a incerteza da economia, as falências de empresas, a queda da Bolsa e outras inúmeras crises decorrentes da histeria do Mercado o obrigaram a pedir ajuda ao Capitão Estoque. Então, Dindim e Tutu mal colocam a cabeça para fora de casa, tamanho o medo de desaparecer com esse furacão econômico. Ele é um rapaz precavido – até demais.
Uma informação que alguns podem desconhecer: Dindim é repórter. Em meio a todas essas intrigas que ameaçam sua vida, ele precisa desvendar conspirações, corrupções e mistérios. Dinheiro público que se teletransporta, impostos que se multiplicam, inflação que se estica, salário que encolhe... logo ele precisará transcender seu mundo e pedir ajuda aos $-Men para evitar que essas ameaças mutantes se espalhem.
Este está sendo um ano conturbado para Dindim, apesar de ter conseguido muitos furos de reportagem. Mas ele sabe que essa crise não é a primeira e nem será a última. Logo depois dessa, outras aventuras virão, e Dindim pode até converter seus valores para sobreviver a momentos ainda piores.
quinta-feira, 25 de setembro de 2008
Je suis une personne terrible
I’m a terrible person (Rooney)
I'm a terrible person
I'm a terrible person
I'm a terrible person
Cause I've made up my mind
I'm a terrible person
Cause I've led her on
And I'm the only one who knows what I've done to her
I'm much smarter now
I won't tell her friends before her
It's gonna be a bad day come Sunday
It's gonna be a bad day come Sunday
I'm a terrible person
I read her diary
I'm not to be trusted
I told all of her secrets to all the guys in town
They all laugh and slap me five
Luckily she doesn't have dirt on me
Cause I'm the cleanest guy
I'm afraid
I don't think I'll ever be sorry
No I'm not sorry for a thing I've done
And I don't think I'll ever wake up lonely
Cause having her around wasn't all that special
Curiosidades: O Rooney é liderado pelo vocalista e guitarrista Robert Schwartzman, belo exemplar do gênero masculino que atuou no filme O Diário da Princesa, ao lado de Anne Hathaway. O rapaz é de uma família pouco conhecida que atende pelo sobrenome Coppola. Alguns membros de sua árvore genealógica:
- Jason Schwartzman, irmão. Ex-baterista do Phantom Planet e ator de Rushmore e Viagem a Darjeeling.
- Talia Shire, mãe. Interpretou a Connie Corleone em O Poderoso Chefão.
- Francis Ford Coppola, tio. Dispensa apresentações.
- Nicolas Cage, primo. Dispensa apresentações
- Sofia Coppola, prima. Ex-atriz e diretora/roteirista de produções pseudo-indies.
- Roman Coppola, primo. Diretor e produtor indie de verdade.
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
“Musos” inspiradores – Parte II
Quero ser John Malkovich (Being John Malkovich): Roteiro que marca a estréia de Kaufman no cinema. Spike Jonze, famoso por videoclipes como Sabotage (Beastie Boys) e Praise You (Fatboy Slim), dirigiu essa viagem à mente de John Malkovich. Com John Cusack, John Malkovich (óbvio), Cameron Diaz e Catherine Keener.
A natureza quase humana (Human Nature): O trabalho mais obscuro do roteirista e primeira colaboração com o cineasta francês Michel Gondry (outro clipeiro de primeira). A história é uma paródia de Tarzan com outros elementos bizarros, como uma mulher peluda, uma ninfomaníaca e um cientista nada convencional. Com Tim Robbins, Patricia Arquette, Rhys Ifans e Miranda Otto.
Adaptação (Adaptation): Melhor do que o trabalho anterior da dupla Kaufman-Jonze, essa comédia dramática é genial a ponto de fazer com que o espectador confunda ficção e realidade – afinal, o próprio roteirista virou protagonista e ganhou um irmão gêmeo. Com Nicolas Cage, Meryl Streep, Chris Cooper e Tilda Swinton.
Confissões de uma mente perigosa (Confessions of a dangerous mind): Em mais um estudo da psique humana, desta vez o roteiro penetra nas lembranças de um popular apresentador de TV e agente da CIA. Estréia primorosa de George Clooney na direção. Com Sam Rockwell, Drew Barrymore, George Clooney e Julia Roberts.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças (Eternal sunshine of the spotless mind): Obra-prima do cinema contemporâneo. Um dos filmes mais tristes a que já assisti. Gondry mais uma vez comprova seu talento por trás das câmeras, enquanto Kaufman... sem comentários. Com Jim Carrey, Kate Winslet, Mark Ruffalo e Kirsten Dunst.
A próxima contribuição de Charlie Kaufman ao cinema será a comédia Synecdoche, New York, escrita, dirigida e produzida por ele. O elenco maravilhoso conta com nomes como Phillip Seymour Hoffman, Samantha Morton, Emily Watson e Jennifer Jason Leigh.
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Saúde!
Estação de metrô da Sé, onde habitantes de todos os cantos da metrópole se esbarram, se empurram e se xingam. A escada rolante subia lentamente, na sua melancolia diária e interminável. O ruído remete a rotina: trabalho, escola, faculdade, viagem, compras. O vento paulistano percorre quilômetros e chega até mim trazendo consigo poeira, poluição, vírus. Um forte espirro, o rapaz ao lado olha para mim e pronuncia um atencioso “Saúde!”. Em resposta, um “Obrigada!” engatilhado na ponta da língua.
“Saúde!”. Essa simples palavra, que eu mesma não costumo utilizar em meu vocabulário de trocas cordiais de expressões cotidianas, pontuou a razão de existência daquela manhã. Todos envoltos em sua bolha invisível, preocupados com seus próprios compromissos e atrasos, em busca de um assento no banco do ônibus ou do metrô. Homens e mulheres sem rosto, como pinturas de Magritte, julgados por suas vestes, rumo ao ganha-pão de cada dia.
Passageiros anestesiando o tédio com seus iPods e tocadores de MP3. Alguns rompem o raro silêncio com conversas telefônicas, animadas ou emburradas, compartilhando, involuntariamente, segredos com os demais viajantes. Entre si, não trocam frases, gentilezas ou olhares.
Esteja o dia começando ou terminando, a pressa e o desprezo são os mesmos. Algumas particularidades durante essas viagens, curtas ou longas, quebram a rotina e marcam o dia, a semana, o mês... São atos simples que nos surpreendem e estampam um pequeno sorriso no canto dos lábios. “Saúde!”.
sábado, 20 de setembro de 2008
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
Pequena caçadora
A personalidade forte lhe dava um ar de mandona. Cansada de obedecer aos pais, tios e avôs, encontrou nas pequenas formas da natureza um jeito de fazer com que agissem de acordo com sua própria vontade. As crianças, quando a viam, se escondiam, uma vez que não queriam fazer parte do pequeno circo de imposições de Ciça.
Em uma preguiçosa tarde de domingo, saiu pelo portão de madeira da casa do avô em busca de algo para se distrair. O vestido xadrez branco e vermelho era novo, mas as sapatilhas pretas eram velhas companheiras, com as solas desgastadas de tanto correr atrás de coelhos e gatos traumatizados. Com o rosto ainda lambuzado pela cobertura do bolo de chocolate, Ciça fixou o olhar em um cãozinho que espreguiçava sob a sombra de uma casa. Aproximou-se lentamente, segurando a respiração para não chamar a atenção do bicho. Subitamente, agachou e agarrou o cão macio, lambuzando ele também de chocolate. Em seguida, ouviu um latido bravo. Virou-se e era uma cadela grande, provavelmente reclamando o seqüestro do filhote. Assustada por ter encontrado finalmente um animal que a desafiasse, correu com o pequeno cão entre os braços. O instinto maternal da perseguidora ameaçava a menina, que chorava e lamentava o azar de escolher o cão mais gracioso da rua. Quando percebeu que a corrida se tornava inútil, parou e colocou o filhote no chão. A cadela lançou um olhar desconfiado e se aproximou do cãozinho, lambendo as pequenas manchas de chocolate em seu pêlo. Aproveitando a distração do animal, saiu dali. Voltou para a casa do avô, atônita pelo que havia acontecido. Sentou-se no chão da sala e foi brincar com suas bonecas.
quarta-feira, 17 de setembro de 2008
Rosas vermelhas
segunda-feira, 15 de setembro de 2008
Sob o neon
Ela vestia veludo azul. Um longo vestido e sandálias de salto alto pretas. As unhas das mãos e dos pés eram pintadas de vermelho, contrastando com o tom noturno da roupa e combinando com o batom. Seus cabelos escuros e anelados mal alcançavam a altura dos ombros, e brilhavam sob a luz neon do palco sujo.
Cantava como uma amante mimada que tenta persuadir seu homem a abandonar a esposa e fugir com ela, para viverem eternamente felizes e sem preocupações. Não encarava o público: fixava seu olhar na parede oposta ao palco, mas vez ou outra eu conseguia notá-la me fitando.
A apresentação terminou e fui o único a aplaudi-la. Não que ela fosse uma ótima intérprete. Não que eu tivesse gostado. Não que eu a desejasse. Foi apenas uma atitude educada de um espectador curioso e solitário, que encontrou naquele lugar um refúgio pacífico para seus desalentos.
A mulher agradeceu timidamente, sem olhar em minha direção. Desapareceu do palco e ressurgiu sentada em um banco alto, bebendo algum drink. O glamour do figurino e da maquiagem não estava mais presente. Agora, ela era uma pessoa comum, concentrada em seu vício e entediada em sua rotina. Ensaiei uma aproximação, mas não tinha assunto. Observei-a se levantando para apanhar uma grande sacola, provavelmente com o vestido e todos os acessórios que intentaram transformá-la em uma diva decadente. Saiu e poucos perceberam sua ausência. Eu, porém, jamais esqueci o brilho ondulante daquela luz obsoleta em seus cabelos delicados.
domingo, 14 de setembro de 2008
Plagiando o blog alheio
10) Ryan Gosling
09) James McAvoy
08) Clive Owen
07) Ewan McGregor
06) Christian Bale
05) Joaquin Phoenix
04) Colin Firth
03) Jake Gyllenhaal
02) Matt Damon
01) Hugh Jackman
Poderiam estar aqui: Jude Law, Mark Ruffalo, Cillian Murphy, Johnny Depp, Casey Affleck, Emile Hirsch, Eric Bana, George Clooney, James Franco, Paul Rudd, Rodrigo Santoro e Robert Downey Jr.
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
Hiperativa – e sem café
Outro resultado dessa hiperatividade é que não consigo mais passar o final de semana em casa. E isso já há alguns meses. Pelo menos agora eu não dependo do cronograma nem dos horários inconvenientes de ninguém. No domingo, acordo a hora que quero. Aos sábados, tenho curso de francês, mas posso dormir bastante antes e sumir depois da aula. Não quero me acomodar, e quanto mais tempo passo comigo, mais gosto disso.
Não quero acrescentar nada na vida de ninguém. Não quero deixar lições, reflexões e et cetera (desculpem a expressão, mas esse tipo de coisa me dá vontade de vomitar... consistir uma relação a “ensinar algo a alguém” é muito professoral e piegas para o meu gosto).
Pronto. Desabafei. E não bebi café.
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
Ian Curtis
Ian Curtis nasceu em 15 de julho de 1956, e cometeu suicídio em 18 de maio de 1980. Ele não apenas se enforcou com o varal na cozinha de sua casa, como livrou o mundo de mais um cara indeciso que não sabe tomar atitude. Segundo a cinebiografia Control, de Anton Corbjin, o vocalista do Joy Division não queria se separar da esposa, Deborah Curtis, nem perder a amante, Annik Honoré, jornalista belga groupie (ela sabia que Curtis era casado e tinha uma filha). Quando Deborah deu um ultimato ao marido, dizendo que queria o divórcio, ele se matou.
Alguns podem justificar que o fato de o compositor sofrer de epilepsia e depressão pesaram muito na decisão de dar fim à própria vida. He’s lost control. Mas o público não parece entender a conduta daquela que o apoiou nos piores momentos de sua vida: a esposa. Porque é muito mais fácil ser um rockstar rebelde e popular do que ser a companheira dele. Logo, a atitude desse mártir foi a mais apropriada para uma pessoa confusa, indecisa, ciumenta e egoísta como ele.
Algumas frases (com a colaboração da Menina Enciclopédia)
“Não sabe o que quer? Se mata que nem o Ian Curtis”
“Todo cara covarde deveria fazer como Ian: se matar. Faria um serviço à humanidade”
“Ian Curtis é o mártir das mulheres que já tiveram o azar de se envolver com indecisos”
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Discípulas de Carol
Para paquerar, óculos (bem) escuros quebram um galho. Você consegue passear o olhar em vários detalhes e manter um quê de avoada (discrição na hora de mover a cabeça também ajuda). E o mais engraçado: algumas pessoas encaram mais justamente por você usar o acessório, talvez por pensarem que ele seja sinônimo de visão deficiente. Vai saber!
Outra maravilha atribuída aos óculos escuros: disfarçam aquela olheira no dia seguinte, depois de você se esbaldar a madrugada inteira. Eles também podem tornar mais bonito o rosto de quem os usa, dar um ar cool e permitir que se tire um cochilo do ônibus ou no metrô sem chamar tanta atenção (basta não ficar pescando e manter uma postura ajeitada).
Os óculos escuros podem ter muitas outras utilidades, basta cada um descobrir a melhor no momento certo e na hora certa.
segunda-feira, 8 de setembro de 2008
Chico, Eric e Lou
Um Chico Buarque iria bem naquele começo de noite de sábado. Mas quando o compositor dos olhos azuis, que embala muitos sonhos com sua poética insuperável, cantou Olhos nos olhos, chorei instintivamente. A emoção não aflora quando alguma canção me lembra outra pessoa. Ela vem à tona quando lembra eu mesma. E Olhos nos olhos é como um espelho que reflete meu subconsciente: é uma personagem dizendo para mim “eu canto sobre aquilo que, embora você não saiba, quer ser”.
Tears in heaven, de Eric Clapton, é outra canção que me faz chorar. A letra é tão tocante e, de certa forma, desesperadora, que até mesmo meu ceticismo desenfreado cria ilusões de um Paraíso onde podemos reencontrar pessoas queridas.
A terceira dessas canções, e talvez a última, é Perfect Day, do Lou Reed. Não me remete tanto à cena da overdose de Mark Renton em Trainspotting, mas ao inalcançável desejo de ter um dia perfeito. Na minha interpretação, os versos falam mais sobre a solidão do que o compartilhamento de bons momentos. Dias perfeitos não existem, e jamais existirão. São apenas projeções que nossas mentes fazem naqueles momentos de cegueira, onde a felicidade passageira se sobrepõe à razão.
Olhos nos olhos (Chico Buarque)
Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci
Quando você me quiser rever
Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos
Quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais
E que venho até remoçando
Me pego cantando, sem mais, nem por quê
Tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você
Quando talvez precisar de mim
Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos
Quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz
sábado, 6 de setembro de 2008
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
Na farmácia
“Tomara que ele não esteja lá”. Andei mais alguns metros e consegui visualizar a fachada da farmácia. “Ah não... ele está no caixa. E é o único caixa aberto”. Eu não tinha muito tempo para passar em outra farmácia antes do trabalho, teria que ser aquela mesmo.
Entrei no estabelecimento, imaginando teorias o tempo inteiro. “Será que ele vai lembrar que eu vim aqui ontem na hora do almoço e comprei a mesma coisa?”. Dirigi-me ao corredor de higiene pessoal feminina. “Mas que cabeça, eu sempre tenho que esquecer algo em casa”. Peguei uma embalagem e tirei o dinheiro da bolsa. “Bem que ele poderia sair do caixa agora. Por que toda vez que venho comprar isso é ele que está lá?”.
Respondi timidamente ao bom dia e entreguei o pacote de absorventes. “Ele é bonito”. Jovem, mestiço, simpático... Isso me deixou com mais vergonha ainda – como se essa situação não afetasse todas as mulheres todos os meses do ano. “Nossa, ele está me olhando com cara de quem me reconheceu de ontem”. Paguei a compra e de repente olhei bem nos olhos dele. “Pronto!”.
Guardei o pacote na bolsa e saí da farmácia. “Imagine se eu fosse comprar outra coisa como, hum, camisinha? Nossa, acho que nunca mais voltava!”. Fiquei perplexa com minha própria timidez.
quarta-feira, 3 de setembro de 2008
Eu tenho medo...
Fãs que sabem de cor todas as músicas do artista em um show
Para mim, é obsessão saber de cor todas as músicas do playlist, até um cover obscuro. Não importa se a banda seja boa ou ruim. E onde se arranja tempo para isso? O fã deve ter um santuário do artista em casa e não ter vida social, no mínimo.
Não apenas medo, como também pena da garotinha que apresenta um programa infantil matinal do SBT. Os pais que expõem essa criança por dinheiro deveriam ter vergonha. E como diz o Rafinha Bastos, “ela é um robô disfarçado”.
Como se não bastasse o cinema mostrar um monstro gigante de marshmallow com cara diabólica (Os Caça-fantasmas, lembram?), a publicidade nos apresenta, em pleno século XXI, a um homem de chocolate sorridente e muito feio.
É mais rápido do que ônibus – e mais perigoso também. Andar de lotação pelas ruas e avenidas paulistanas é uma aventura, principalmente se você está em pé porque não há lugar para sentar nos bancos. E dá-lhe tropeções!
Uma mulher ridícula com nome de fruta gera clones à sua altura, como a melão e a morango. Uma adaptação legalzinha de graphic novel (Sin City) desencadeia babaquices como 300. Nada se cria... para isso existem as frases feitas.
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Relativismo e...
Não adianta. Caio na armadilha de soar redundante, de fazer desse blog uma página de fã-clube, de afastar leitores ainda remanescentes... Mas registro, para futuras consultas próprias, essa sábia e poética reflexão de João Pereira Coutinho (para quê livros de auto-ajuda quando podemos ler esse autor?), como mais uma vez faço abaixo:
"(...) Em doses temperadas, o relativismo é um convite para não fazermos o mal. Ele esvazia o nosso patético ego como uma agulha que fura o balão de uma criança. E ele é sobretudo útil em matéria de amor: somos amados, magoados, atraiçoados. Acreditamos que, depois do abandono, teremos uma dor inultrapassável, que se vai prolongar pelos séculos seguintes.
Mas a verdade é bem mais triste e, paradoxalmente, bem mais feliz. Tudo passa. A dor vai diluindo-se em tristezas menores, que ficam como o pó esquecido nos cantos da casa. E certo dia descobrimos que o tempo cobriu tudo com invisíveis mortalhas; e o passado é o porto de onde a nossa embarcação já se afastou há muito. Vemo-lo ao longe, por entre a neblina. Mas não há regresso.
Desesperado leitor: se achas que a dor de hoje te autoriza a tudo, lembra-te que és nada e que a tua vida será nada. E festeja essa certeza com a alegria sincera dos náufragos resgatados."
(Em defesa do relativismo suave, publicado originalmente na Folha Online)