Na minha infância, tinha uma coleção de livros de contos de fadas que adorava ler, mesmo sem saber como fazer isso, pois me divertia com as belas ilustrações feitas com bonecos e cenários que eu sonhava em estar. Para saber o que realmente acontecia nas histórias, esperava pela boa-vontade de alguém alfabetizado e paciente, pois eu tinha a mania de interromper para dar mais uma olhada nas imagens e fazer a comparação com o que havia sido narrado.Imaginava como deveria ser saborosa a casa de doces que João e Maria encontravam após serem abandonados pela madrasta malvada na floresta. E o sapato de cristal da Cinderela, como ele não se quebrava? Feijões mágicos eram feijões coloridos ou balas que tinham gosto de feijão?
Mas essas dúvidas nunca superaram o desejo de mudar o final de um desses contos. Embora todos sempre tivessem um final feliz (Joãozinho derrota o Gigante e fica milionário; Branca de Neve é despertada do coma com um beijo apaixonado; Polegarzinha encontra vários seres da sua espécie...), havia um que terminava de maneira triste e trágica: A pequena vendedora de fósforos. Para quem nunca leu, informo que se digitar o título no Google aparecerão inúmeros resultados de sites que transcreveram a clássica história do dinamarquês Hans Christian Andersen.
Enquanto estava em minha casa, cercada de brinquedos e jogos, com uma mãe sempre preocupada com o horário do lanche da tarde, aquela garota estava à deriva e sozinha em uma grande cidade, amedrontrada pela fome, pelo frio e pela solidão. E pior: numa noite de ano novo.
Talvez esse conto tenha sido a minha primeira percepção de que o mundo estava além das paredes de casa, do portão da escola, do banco do carro. Enquanto a pequena vendedora de fósforos sucumbia à morte e reencontrava a avó, eu tentava, em vão, abrir a porta de minha casa, entregar-lhe um cobertor e servir um copo de leite quente. Foi o fim da inocência, a descoberta de que nem sempre havia pessoas boas e acolhedoras ou um final feliz.