O pé dói e o ônibus para à minha frente. É sorte, já que normalmente preciso andar alguns metros à frente para conseguir entrar. Na catraca, vejo uma multidão de passageiros parados e bloqueando o caminho. Fico na ponta dos pés e noto o fundo quase vazio. Há espaço para mais gente e, embora meu ponto de descida esteja próximo, libero o caminho e vou para trás.
Alguns minutos depois e o ônibus enche. A porta de saída é aquela ali, bloqueada por pessoas afobadas. Conforme meu ponto se aproxima, eu me preparo para descer. O sinal é dado e, quando vou sair, as pessoas não se movem. Sim, aqueles que bloquearam o corredor, impedindo que mais passageiros passassem, bloqueiam também a saída. Eu poderia passar pedindo licença, com a voz melosa e dizendo "desculpa" para cada pança alheia apertada e pé pisado, mas apenas aviso que vou descer e empurro para sair.
Com muita raiva, mas me segurando, finalmente desço dali e sinto um agradável frio noturno. Já na calçada, ouço um sujeito reclamando do jeito que passei para sair, e imediatamente olho para a cara dele e respondo:
- Se não vai descer, não fica na porta! - e mostro a língua em sinal de deboche.
Ele continua falando e eu saio andando. Como se não bastasse a resposta gritada e a língua mostrada, ainda mostro o dedo do meio, sem olhar para trás.
A sensação é de alívio em poder desabafar ali, na frente daquele idiota. Eu sei que nem ele nem qualquer outro passageiro que me ouviu - e viu - vai realmente entender que quem atrapalha o caminho leva empurrão. Talvez tenham me chamado de "vadia" e "sem educação", mas eu não escutei. E não me importo. Só sei que cheguei mais leve em casa e com o pé menos dolorido. Foi bom, até ficar paranoica e imaginar pegando o mesmo ônibus com aquele cara e ele me reconhecer.
Então, se um dia eu desaparecer, a culpa pode ser do homem que me ouviu gritar, mostrar a língua e o dedo do meio.
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