Encolheu o corpo em torno de si e tentou se esconder de tudo e de todos. Passou dias ali, enquanto pensamentos e reflexões remoíam lembranças de um passado não tão recente. Isolado no silêncio da madrugada, sentiu uma mão tocar delicadamente seu ombro. Era pequena e o confortava. Segurou-a com a sua, levantando a cabeça para enxergar o rosto. Era ela. E só poderia ser um delírio, provavelmente provocado pela greve de fome a qual se dedicava há dias. Levemente desfocado, o rosto sorriu, recostando-se no seu em um gesto de ternura. Enquanto uma das mãos permanecia na sua, a outra acariciava-lhe os cabelos. O silêncio foi interrompido por soluços desesperados, seguidos pelo choro incontrolável. A imagem se dissipou, engolida pela escuridão. Inconformado, buscou uma forma de fazê-la voltar, mesmo sabendo que a ilusão imagética jamais curaria cicatrizes cujos pontos se desfaziam e permitiam jorrar os resquícios de vida que ainda restavam dentro dele.
Com as mãos na cabeça, apertou os olhos com força para visualizá-la novamente. Redesenhou os cabelos escuros e os olhos amendoados. Deu vida aos lábios, colorindo-os suavemente. Vestiu o corpo com roupas longas e leves, semitransparentes. Era uma figura fantasmagórica, a qual tentava permitir que deslizasse da imaginação para a sua realidade. Queria senti-la e tocá-la, como tantas vezes fantasiou, e ouvir sua voz sussurrando que jamais o abandonaria. Enquanto o delírio permitia que ela tomasse forma, a memória o traiu e entregou a peça-chave de seu devaneio: a única maneira de um dia tê-la seria anular as decisões que tomou e a afastaram de si.
Repentinamente, o corpo curvado sobre o chão endireitou-se. Levantou-se no escuro e tateou até acender a lâmpada. Confuso, abriu o guarda-roupa e retirou uma velha agenda. Procurou pela data e encontrou o relato alegre de que sua vida mudaria em poucas semanas. A partir dali, várias anotações expressavam expectativas e planos. Salpicavam as folhas um número ou outro de telefone, alguns identificados, outros sem a menor pista sobre a quem pertenciam. Endereços e e-mails se misturavam e, nas últimas páginas, predominavam espaços em branco.
Trocou-a pelos planos de um futuro brilhante, que enfim se revelou frustrado. Se pudesse tirar um aprendizado de tudo o que passou seria "ter menos arrogância da próxima vez". De posição de vítima do mundo, assumiu a de vítima da própria afobação. Afundou-se com o desejo de ter tudo ao mesmo tempo e ao mesmo instante. De tudo, nada tirou. Sobravam-lhe apenas o arrependimento doentio e a incerteza de como seria sua vida dali para frente.
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