sábado, 15 de março de 2014

Aquilo que recai

Temer é uma das piores sensações que existem. É uma mistura de ansiedade e medo, que resulta em covardia. O medo de ter uma recaída já é a própria recaída - aquela sensação de sentir algo ruim se aproximar, e ele se apodera das entranhas e comprime o coração e os pulmões. A mente passa a se ocupar de pensamentos nebulosos e desejos escusos. 
É como uma sombra espessa que encobre o sol, impedindo admirar o azul celeste e as formas elegantes das nuvens. A beleza ao redor recebe contornos pálidos; as melodias repetem-se em uma mesma nota apática. As expectativas zeram e o sentido perde seu significado. O nada toma conta das ideias, que se abrem apenas para súplicas desesperadas.
E quando percebe que a negatividade é absorvida como solução, o que resta a fazer: admitir a si mesma o cansaço e a entrega ou tentar mudar a cabeça? É um lado extremo da personalidade, oculto e raramente manifestado. 
Não há fé ou religiosidade, mas ainda assim impõe um desafio que aceita como prova daquilo que não existe. Hester Collyer e Sylvia tornam-se anti-heroínas trágicas. Exageros à parte, é o que atravessa os pensamentos, como feixes luminosos dentro da caixa craniana. E a recaída procura uma saída. Silencia-se, chora, rebela-se, grita. Acalma-se e premedita uma solução.
O ato de escrever tenta colocar tudo em seu devido lugar. É o que dizem: o estado melancólico liberta a criatividade humana. Deve ser porque assim o cerne criativo busca uma luz para libertar-se de quando esteve apaziguado por outros interesses e sentimentos.
Enquanto o corpo relaxa lentamente sob o efeito dos paliativos, os sentidos adormecem e a busca pelo sentido realinha-se com a apatia. A recaída volta ao estado neutro, mas o temor de despertá-la novamente torna a respiração pesada e quente. Já não entende mais a diferença entre covardia e coragem.

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