"Em outra ocasião, durante essa mesma viagem, durante a travessia do mesmo oceano, a noite já começada, soou no salão do convés principal uma valsa de Chopin que ela conhecia secreta e intimamente, porque tentara aprendê-la durante meses sem jamais conseguir tocar corretamente, nunca, o que levou a mãe a permitir que abandonasse o piano. Naquela noite, perdida entre as noites e as noites, disso tinha certeza, a jovem estava naquele navio e presente quando a coisa aconteceu, aquele som luminoso da música de Chopin sob o céu iluminado de cintilações. Não havia vento e a música espalhou-se por todo o navio escuro, como uma injunção do céu, vinda não se sabia de onde, como uma ordem de Deus de teor ignorado. E a jovem levantou-se como se fosse também se matar, jogar-se por sua vez ao mar, e depois ela chorou porque se lembrou daquele homem de Cholen e subitamente não tinha certeza de não tê-lo amado com um amor que não havia percebido porque se perdera na história como a água na areia e que só agora encontrava, no momento em que a música era lançada através do mar."
DURAS, Margueritte. O Amante. Trad. Aulyde Soares Rodrigues. São Paulo: Folha de S Paulo, 2003.
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