sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

O problema d'Ela

Vira e mexe, encontro alguns filmes a serem lançados que me deixam na expectativa. Ela foi um deles. O argumento parece ser óbvio: a direção é de Spike Jonze, o protagonista é Joaquin Phoenix e a trama parecia misturar ficção-científica com romance e drama. 
Porém, quando percebi que Charlie Kaufman não assinava o roteiro, fiquei um pouco mais cética (nota: ele escreveu Quero Ser John Malkovich e Adaptação, ambos dirigidos por Jonze). Mas, ainda assim, continuei curiosa para conferir o resultado final.
O problema é que Ela tem vários problemas. A começar pelo enredo extremamente lento. Sim, gosto de filmes lentos, mas 120 minutos para narrar uma história como a que é contada beira ao desperdício de tempo.
A trama principal na verdade é um background para compreendermos a personalidade de Theodore, seu casamento fracassado e seus receios em um mundo pós-moderno. Mas, infelizmente, o tal romance com o sistema operacional Samantha é tão desinteressante que eu fiquei na poltrona pedindo mais flashbacks e reflexões sobre o "amor humano".
Os diálogos entre Theodore e Samantha parecem ser extremamente forçados para que o espectador realmente acredite na existência de um laço entre eles. Neste ponto, sou mais o Lars e a boneca que não fala em A Garota Ideal.
Por falar em A Garota Ideal, o filme tem a estrutura de um conto, sem apelar para o cult ou pedantismo, apostando na simplicidade das relações humanas para tratar da solidão e da dificuldade em se enquadrar nos pré-requisitos de viver em sociedade. Já Ela vai pelo lado oposto: apesar da proposta inteligente e filosófica, faltam essas qualidades à obra. 
As críticas sobre Ela se fazem mais contundentes por ser um filme cujo potencial é maior do que o resultado. Em meio a tantas obras com temas semelhantes (dificuldade de relacionamento, humanos & máquinas, inteligência artificial...), o roteiro escorrega na burocracia disfarçada, que proporciona nuances de obra hipster a uma película que merecia muito mais.
Mesmo uma personagem coadjuvante, como a amiga de Theodore, é pretexto para uma trama extremamente previsível. Uma pena, já que o roteiro tinha o potencial de fugir da mesmice e acabou caindo justamente na fórmula de uma comédia romântica qualquer, com conflitos e descobertas óbvias.

Felizmente, existe genialidade em Ela. Jonze insere imagens poéticas em momentos oportunos. A cinematografia remete aos filtros de Instagram e Lomo, aplicativo e máquina fotográfica que caíram no gosto dos consumidores jovens graças à estética retrô. A direção de arte foge do futuro branco em linhas retas e busca refúgio na tendência do design onde o menos é mais, sim, mas com sinuosidades e cores. 
Joaquin Phoenix, por sua vez, exibe talento, mesmo para um personagem que não é complexo nem exige tanto, especialmente para um ator que brilhou como o protagonista de Johnny & June, Amantes e O Mestre
E ainda, encontramos em Ela um bom uso para Scarlett Johansson: uma das atrizes mais superestimadas de sua geração, ela está relativamente bem como a voz de Samantha - nada brilhante, mas consegue ler direitinho as falas da personagem. Com isso, tenta provar que pode ir além de um rosto e corpo extraordinariamente bonitos - desde que não precise usá-los.

Veredito: Boa tentativa, Spike Jonze. Mas da próxima vez, chama o Charlie Kaufman para escrever o roteiro.

Atualizando (11/03): Só agora li o texto do Inácio Araújo (Folha de S. Paulo) sobre os filmes indicados ao Oscar e ele escreveu exatamente como que senti a respeito deste filme. "Me parece incrível como Spike Jonze se mostra capaz de investir em universos paralelos originais e, ao mesmo tempo, incapaz de sustentar sua invenção. Tinha sido assim em Quero Ser John Malkovich. É assim novamente aqui. À observação de um mundo de plena solidão, de solidão eletrônica, segue-se apenas a reiteração disso. Pena."