quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Uma conversa qualquer

O ônibus sacolejava enquanto as amigas conversavam animadamente sobre as novidades. Algumas eram boas, outras nem tanto; o importante era colocar aquela conversa em dia e se sentir triunfante ao receber um assentimento com a cabeça, olhares de aprovação ou risos que demonstrassem surpresa.
- Daí você não sabe, ele veio com aquele papo de que o problema não era comigo, era com ele mesmo.
- Ih, eles são todos iguais.
- Foi isso o que eu pensei, mas iria parecer clichê se falasse.
- Mas são mesmo iguais, você deveria ter dito. Assim ele assimilava pelo menos uma coisa que prestasse na vida.
Uma mulher obesa que não havia conseguido um assento no ônibus olhou para as amigas, na esperança de que fossem descer no próximo ponto. Nada.
- É, mas deixa para lá. Não iria mudar muita coisa se eu dissesse. E você, conseguiu conversar com o Henrique?
- Sim, eu falei com ele.
- E então? Vai, me conta!
- Ah, só conversamos. Ele veio com aquele papo de “não me odeie”, como se odiar alguém fosse o combustível dos meus sentimentos.
- Você disse que não gostaria de ter sido a Professora Helena dele?
- Eu pensei, mas não falei.
- Meu, a gente tem que parar de pensar nas coisas e falar logo.
- É... Então, ele falou que eu também teria algo para tirar do que aconteceu entre a gente. E, realmente, aprendi mesmo.
- E o que você aprendeu?
- Que edredom não se escreve com “N” no final.
Nesse momento, até a mulher que rezava para alguém descer do ônibus riu. As amigas olharam para ela e gargalharam as três juntas. Quando as lágrimas dos risos cessaram de escorrer, Helena suspirou e olhou o trânsito pela janela. Cíntia fez o mesmo. E a mulher, que não agüentava mais ficar em pé, teve de se contentar com o silêncio e ocupar a mente impaciente com a lista dos afazeres domésticos que a aguardava em casa.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A invasão

O jovem casal se via apenas nos finais de semana. Ele ia à casa dela na maioria das vezes, almoçava e ficava por lá até a hora de ir embora. Aproveitavam o tempo para contar as novidades e os aborrecimentos da semana e, naturalmente, namorar.

Ela morava com a família, e às vezes se sentia incomodada com a falta de privacidade. Não que precisasse de mais tempo e espaço para si, mas tinha um certo comportamento anti-social que a fazia gostar mais do silêncio do que das conversas cotidianas. Assim, sempre que buscava sossego, entrava no quarto e fechava a porta.

Em uma dessas visitas do namorado, a preguiça pós-almoço atraiu a atenção para a cama, no quarto dela. Um cochilo, uns beijinhos e um aconchego lado a lado curaria aquela ressaca domingueira.

Entraram no aposento, fecharam a porta e foram curtir o edredom. Momentos depois, um abraço, um carinho, um beijo e os dois já estavam enroscados na cama. Naquele momento bom, a porta foi abruptamente aberta: ela esqueceu de trancá-la. Era a mãe, com alguma pergunta sem a menor importância para uma circunstância daquela. Com um susto, os dois disfarçaram, mas ela não conteve um constrangido grito de “Fecha a porta!” assim que viu a mãe.

Os dois ficaram ali, na timidez. Não daria para saber quem se sentia mais envergonhado, ela ou ele. Mais tarde, quando precisaram, enfim, sair do quarto, a mãe fingiu não ter presenciado nada. Estava como sempre, gentil e conversadeira. Não queria causar mais constrangimento, muito menos um trauma para o resto da vida deles.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Bom senso no limite

Ultimamente ando menos ansiosa do que o normal. Porém, acho que ando mais anormal do que nunca, vivendo em um mundo de fantasias e bizarrices, em uma fase relax que contradiz a correria de todo final de ano. Enumerando os fatos extra-rotineiros dos últimos dias:

- Saí de casa pela manhã cantarolando Good morning, do filme Cantando na Chuva.
- Tive um sonho erótico com o Dr. House.
- Um namorado imaginário me deu um vaso de tulipas.
- Em plena segunda-feira, São Paulo me parece uma cidade do interior.
- Comprei uma camiseta com o Woody Allen estampado.
- Quero tirar habilitação para moto e comprar uma scooter.
- Consegui uma dispensa no trabalho para ver um debate sobre a carreira do Rubens Ewald Filho.
- Autodenominei-me grinch porque detesto época de natal.

Será que vou sarar essa semana? Ah, estou gostando de ser assim!

sábado, 25 de outubro de 2008

Homem feio

- Eu não gosto de homem bonito. Prefiro os feios.
- Mas uma vez que você gosta do feio, ele se torna bonito para você. Beleza é relativa, cada um tem um padrão.
- Sim, mas eu não gosto do estilo Brad Pitt. Não tem cara de macho.
- Eu também nunca fui fã dele nem do DiCaprio.
- Então, eu não curto esses caras muito bonitos, perfeitos. Tem cada canalha no meio desses.
- Bem, algumas mulheres dizem que homem bonito é mais difícil de segurar. Suponho que os feios sejam mais fáceis.
- E você, prefere os feios também?
- O que pode ser feio para uns, para mim não é. Prefiro os normais.
- Normais como?
- Não gosto de homem fortão – com exceção do Hugh Jackman. Prefiro os magros, desengonçados, tímidos... São mais fofinhos.
- Hum... já notei isso.
- Por exemplo, eu acho que o Leonard, de The Big Bang Theory, é o meu tipo. Se eu tivesse um vizinho daquele, ia dar muito mole.
- Aquele
nerd de óculos, baixo, atrapalhado e que tem um amor platônico pela loira?
- Isso! Fora o fato de ele ser físico e gostar muito de exatas, é o meu sonho de consumo.
- É, acho que você vai ficar sozinha durante um bom tempo.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Paradinha

- Com licença, posso tomar um pouco do seu tempo?
Olho no relógio antes de ver o rosto do interlocutor. O tempo é um pouco apertado, mas quando noto o rapaz que pediu minha atenção, respondo com um “claro!” despreocupado.
- Estou fazendo uma pesquisa para uma escola de inglês e gostaria de fazer algumas perguntas.
“Nossa, que bonitinho! Não é sempre que aparece um assim para falar comigo, fora aqueles moços da WWF.” Ele faz as perguntas e chega a hora de dizer o nome e o telefone. Eu respondo, ele anota. “É bonito mesmo, e simpático. Mas tem carinha de pivete...”
- Qual é a escola de inglês mesmo?
Ele responde e explica que existe uma unidade dessa escola ali perto. Mais tarde, entro no site para conhecer a escola. Se eu me matricular nela, vou dizer a quem eles devem pela nova aluna. Vai ser difícil esquecer o nome dele.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O homem atrasado

Estava acostumado há anos com a mesma rotina. Sempre acordava atrasado, pois o relógio adorava pregar-lhe peças na hora de despertar, e sendo uma lembrança do pai, ainda que o irritasse com o tilintar tardio, jamais passou uma vez sequer pela sua cabeça aposentar a antiguidade e trocá-la por um alarme novo e funcional.
Após o desespero em constatar mais uma vez o atraso, levantava-se em um pulo e corria para o chuveiro. Depois de um banho frio para ajudar na circulação do sangue e das idéias, se vestia e corria para a cozinha. Aquecia o café, preparado na noite anterior, e devorava algumas rosquinhas. Estava pronto para sair pela porta e enfrentar mais um dia.
Ao chegar no escritório, socorria o chefe, que sempre brigava com o computador. “Só você mesmo para resolver esse problema, não sei o que faço para essa máquina travar tanto assim”. Mas o funcionário sabia: o chefe adorava fazê-lo de babá de computadores e qualquer problema que surgia, gritava pelo seu nome na esperança de que desfizesse algum comando absurdo, e muitas vezes fatal.
Cansado da rotina acomodada e desgastante naquele ambiente burocrático, no caminho de volta para casa resolveu refletir sobre seus reais valores como membro da sociedade. “Sou bem remunerado, mas não estou satisfeito com o que faço. Trabalho para o Estado em prol da população, mas sei que há muito mais injustiça do que legitimidade no meu ofício. É hora de mudar minha vida...”. Após constatar que passou tempo demais servindo aos injustos, decidiu pedir demissão no dia seguinte e, pela primeira vez, sedimentar desejos e sonhos para que pudessem se tornar algo sólido e palpável.
Levantou-se atrasado, mas não se apavorou. Aproveitou aquela manhã nublada e tomou um banho quente. Trocou-se vagarosamente, calçando seu sapato mais velho e confortável, e vestindo suas roupas mais desbotadas e macias. Saboreou o café feito na hora e mastigou lentamente a torrada quente. Resolveu fazer outro caminho para chegar ao imponente prédio público onde trabalhou durante tantos anos. Mais longo e mais arejado, o atalho às avessas permitia não apenas que contemplasse o céu, como também que risse das absurdas propagandas políticas que prometiam um futuro melhor caso a população cooperasse na difusão de ideais questionáveis.
Adentrou no edifício com um largo sorriso nos lábios, passou o cartão e subiu pelas escadas. Não precisaria de elevador naquele dia; trinta e dois andares não seriam tão fatais caso parasse de vez em quando para descansar. Ao chegar em seu departamento, dirigiu-se à sala do chefe e pediu demissão. “Você terá que cumprir uns dias a mais, sabe disso. E o que serei eu sem você?!”, desesperou-se diante do funcionário, que pouco se importava com os transtornos que sua atitude surpreendente pudesse desencadear. Queria sair daquele lugar sufocante e ironizar todas as expressões politicas estampadas em cada muro, cartaz e placa que visse pela cidade. Abandonou o chefe relutante, desceu pelo elevador, passou pela catraca, saiu pela porta-giratória, pisou na calçada úmida e respirou aliviado. A partir daquele momento, teria mais respeito por si mesmo, ainda que mais uma vez estivesse atrasado.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Da série...

...Se eu fosse Maria Chuteira


Michael Ballack

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Velha, mas nem tanto

Querido Diário,
Acho que estou ficando velha. Acho não, tenho certeza disso. Já não pedem mais meu RG na porta da balada, e há apenas um ano era obrigatório eu sacar o documento da bolsa e entregar ao segurança, fazendo cara séria. Já disseram que eu tinha cara de quinze anos, e agora sou chamada de tia por alguém dois anos mais novo. Não que isso tenha me impedido de tirar uma casquinha do rapaz e sumir logo em seguida. Mas, enfim, ser chamada de tia é f*#@.
No escuro da pista, garotos de no máximo vinte anos se aproximavam e ficavam surpresos por eu não ter dezoito. Agora, até tiozões chegam em mim. Eu reclamava dos pivetes, mas por favor... Ou é 8 ou é 80? É isso?
Posso estar com complexo de Noel Gallagher. “I’m older than I’d wish to be”. “Stay young and invincible”. “My body feels young but my mind is very old”. (Só falta eu gostar de futebol e torcer pelo Manchester City). Ou complexo de Wendy, que demora a aceitar que deve crescer um dia e se tornar uma mulher, casar, ter filhos, levar uma vida aborrecida...
Oh, Diário! Não pense que estou preocupada em usar cremes antiidade, botox, silicone ou fitas adesivas. Como disse o Pedro Bial, plagiando algum gringo, o filtro solar já me basta (hum, melhor se for bloqueador FPS 30 ou mais). O ficar velha, nesse caso, é um fator mais complicado, psíquico. Eu mudei muito, mas ainda sou a mesma. (“The only difference that I see is you are exactly the same as you used to be”, cantou Jakob Dylan). Eu quero crescer e mudar, mas não envelhecer. Talvez eu esteja precisando de novos ares e novas influências. Talvez eu tenha um olhar critico demais das situações ao meu redor (mal de jornalista que se atém muito à teoria). Talvez eu precise de mais um drink.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Os preferidos

Não sou uma grande conhecedora de seriados, mas mesmo assim decidi fazer dois top 10 de personagens preferidos de séries. Para não deixar nenhum querido ou querida de fora, separei entre Eles e Elas. E, certamente, pesou muito a entrada de personagens de séries favoritas.


Eles

01) Adrian Monk (Tony Shalhoub) – Monk
O detetive mais obsessivo, simpático e fofo da TV. Impossível não achar graça de como o TOC (transtorno obsessivo compulsivo) afeta as investigações de Monk.

02) Hiro Nakamura (Masi Oka) – Heroes
O herói mais geek e divertido da série. Com o poder de se teletransportar, o japonês Hiro é o responsável pelas mais importantes reviravoltas de Heroes.

03) Cosmo Kramer (Michael Richards) – Seinfeld
O excêntrico colega de Jerry Seinfeld na melhor série de todos os tempos é inspirado em um antigo vizinho do co-criador da série, Larry David.

04) Dr. Gregory House (Hugh Laurie) – House
Um médico sacana, sem escrúpulos, sem bom senso e sem ética. Mesmo com tudo isso, ele é o gênio por trás da burocracia do Princeton-Plainsboro Teaching Hospital.

05) Dexter (Michael C. Hall) – Dexter
Nem todo serial killer é do mal. Dexter, um perito da polícia de Miami, aproveita seus conhecimentos técnicos e o gosto por sangue para fazer justiça.

06) Bill McNeal (Phil Hartman) – Newsradio
A rotina da WNYX seria muito chata se Bill McNeal não estivesse na folha de pagamentos. Tanto que Newsradio acabou uma temporada após a morte do comediante Phil Hartman.

07) Sheldon Cooper (Jim Parsons) – The Big Bang Theory
O nerd-geek-CDF mais inteligente e arrogante do grupo, Sheldon se gaba do seu QI altíssimo e está sempre pronto para alfinetar qualquer ser inferior que estiver no seu caminho.

08) Maxwell Smart (Don Adams) – Get Smart
O sapatofone nunca mais foi o mesmo após ser usado por Maxwell Smart. Atrapalhado e hilário, o agente 86 mostrou que nem sempre a tecnologia é a melhor aliada.

09) Shawn Spencer (James Roday) – Psych
Para ser levado a sério como detetive, Shawn finge ser vidente. Acompanhado do seu fiel assistente Gus, ele desvenda os mais misteriosos casos com muitas piadas e ironia.

10) Robert Barone (Brad Garrett) – Everybody Loves Raymond
Todo mundo adora o Raymond. Mas o que seria do repórter esportivo sem o seu querido irmão mais velho, o policial Robert Barone? Teria um a menos para infernizar sua cabeça.


Elas

01) Elaine Benes (Julia Louis-Dreyfus) – Seinfeld
Toda mulher é um pouco Elaine Benes – ou muito, dependendo do caso. Ex-namorada e melhor amiga de Jerry, ela é a alma feminina sem o qual o seriado não seria tão excelente.

02) Phoebe Buffay (Lisa Kudrow) – Friends
Só o fato de ser autora de Smelly Cat já a torna a melhor personagem de Friends. Phoebe é uma neo-hippie atrapalhada, doce, companheira e cool.

03) Diane Chambers (Shelley Long) – Cheers
Uma amante de poesia, artes e literatura que resolve mudar completamente sua vida após ser abandonada pelo noivo: vira garçonete do pub mais aconchegante de Boston.

04) Catherine Duke (Khandi Alexander) – Newsradio
Poderosa e elegantemente sarcástica, Catherine vivia uma disputa de egos com seu co-apresentador Bill McNeal. Abandonou a emissora de rádio para trabalhar em Londres.

05) Christine Campbell (Julia Louis-Dreyfus) – The New Adventures of Old Christine
Bonita e divertida, Christine é uma mulher divorciada que, querendo ou não, acaba tendo que competir com a atual companheira de seu ex-marido - a nova Christine.

06) Miranda Hobbes (Cynthia Nixon) – Sex and the City
Das quatro amigas que vivem contando suas aventuras sexuais nova-iorquinas, Miranda é a que tem a personalidade mais forte - e é também a menos estereotipada.

07) Claire Bennet (Hayden Panettiere) – Heroes
Uma popular líder de torcida que descobre ser uma mutante com poder regenerativo. Mas nada disso sobe à cabeça da garota, que se mostra cada vez mais forte e decidida.

08) Jeannie (Barbara Eden) – I Dream of Jeannie
A gênia que todo homem gostaria de encontrar em uma lâmpada, sempre pronta para atender aos pedidos do amo. Involuntariamente, nem sempre consegue ajudar.

09) Blossom (Mayim Bialik) - Blossom
Uma adolescente como qualquer outra, Blossom tira lições de tudo o que acontece em sua vida - graças ao pai paciente e participativo e aos irmãos encrenqueiros.

10) Nanny (Fran Drescher) – The Nanny
A babá fanha que conquistava todos com atitudes pouco discretas tinha as piadas certas para os momentos errados - e conseguia se sair bem das encrencas em que entrava.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Confusões confessas

Uma cabeça confusa merece um tempo de descanso. Não uma noite ou uma semana, mas um período longo, com começo definido, mas sem data para terminar. Afirmo porque já me aconteceu algumas vezes. Na incerteza, uma certeza: a solidão cura e não permite que se magoe terceiros.
Saímos algumas vezes. Não tínhamos muito em comum, e eu não sabia por quê sempre aceitava os convites dele. Talvez quisesse saber até onde aquilo tudo iria, ou se um dia ele diria algo que de fato me fizesse pensar diferente. Dei uma chance até o dia do beijo. Se eu beijo alguém e muitos pensamentos se agitam, não adianta persistir. E naquele momento o beijo foi apenas um beijo. E não foi culpa de ninguém.
Para mim, o que começou com o beijo terminou com ele. A cabeça confusa se confundiu mais ainda, não sabendo se deveria olhar para os dois lados antes de atravessar a rua ou se os carros só vinham do lado direito. Nos dias que se seguiram, queria que ele percebesse o quanto eu era insuportável. Queria que ele me visse como eu nunca me vi. Mas não... não sei por quê, ele ainda queria ficar comigo. Fui sincera e disse que a minha fase naquele momento me impedia de gostar de alguém, e eu não queria magoá-lo, embora já tivesse feito isso. Foi só um beijo.
Ele insistiu, disse que eu não o conhecia a ponto de não querer mais ficar com ele. Mas eu sei o que quero e o que não quero em apenas duas semanas. Meu instinto de seleção não avança nem quando estou confusa. Ele não entendeu e foi rude comigo. Tudo depois de apenas um beijo. Será que foi tão bom assim?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sonhos ocultos

Laura sempre foi uma boa filha. Renegava seus sonhos e desejos apenas para satisfazer seus pais, exigentes e autoritários. Em épocas de provas, ela se trancava no quarto e relia as matérias até enjoar. Parava, descansava um pouco e relia tudo de novo até decorar. Nem sempre seu método de estudos dava certo, mas suas notas não eram baixas para o padrão dos colegas de sala – e apenas os pais questionavam o sete na prova de matemática.
Com doze anos de idade era uma garota esforçada, preocupada com a opinião dos pais sobre seus rendimentos e suas responsabilidades. Apenas isso importava para ela. Quando encontrava familiares ou amigos da família, se encolhia de timidez e orgulho ao presenciar elogios paternos com relação aos seus estudos e à sua inteligência. Os ouvintes olhavam para ela admirados, parabenizando pelas boas notas. Freqüentemente perguntavam o que ela queria estudar na faculdade, mas com apenas doze anos não tinha tanta certeza sobre o que ser, pois tinha que se preocupar tanto com o presente que mal conseguia sonhar com o futuro. Achava quase impossível se imaginar adulta, casada ou solteira, trabalhando ou estudando. E sofria mais pressões de si mesma do que dos próprios pais: não se permitia sonhar.
Os anos foram passando e ela percebia que sua dedicação à escola não era tão recompensadora assim. Afinal, do que adiantava ser uma aluna reconhecida pelos professores se aprisionava seus sonhos no labirinto mais obscuro do cérebro? Os sonhos começaram a aflorar primeiro durante o dia, no meio de alguma aula desinteressante. “Para quê vou usar isso na minha vida?”, se questionava olhando para as fórmulas complicadas no caderno. Logo, a voz do professor era encoberta por canções que encontravam a saída do labirinto cerebral e eram entoadas silenciosamente. Imaginava-se cantando para uma grande platéia, namorando o cara da banda de que gostava, sendo reconhecida pelos colegas como uma conhecedora invejável da boa música... Eram sonhos que mal começavam e já tinham um desfecho delirante.
Mais madura e mais rebelde, Laura foi deixando as obrigações escolares de lado para se dedicar aos delírios diurnos. Ligava o rádio, colocava uma música em inglês e tentava compreender as declarações de amor envoltas por solos de guitarra. Quando percebia que devia se concentrar em outras atividades, logo começava a se imaginar mais velha e mais bonita, invejada pelas mulheres por seu sucesso no campo amoroso e profissional.
Suas freqüentes desconcentrações se refletiram nas notas. Alguns professores, surpresos, a chamaram para conversar no final de suas respectivas aulas, questionando se estava com dificuldades ou se havia algum problema externo atrapalhando seus estudos. De cabeça baixa e com atitude de quem estava apressada, Laura respondia que era apenas uma fase e não queria levar seus problemas pessoais para a escola. Colocava os fones nos ouvidos e saía da sala de aula em passos rápidos.
Em casa, os pais analisavam insatisfeitos o boletim da filha. “Sempre tão dedicada e responsável, o que houve com essa menina?”, perguntava o pai. Já a mãe, que demonstrava mais facilmente sua irritação, respondia ao marido que uma boa conversa poderia resolver aquilo tudo.
- São essas malditas músicas. Agora fica ouvindo esses maconheiros que não fazem nada na vida além de usar drogas e ganhar dinheiro dos pais desses adolescentes mimados. Se ela não tiver CD para ouvir, vai ter que estudar e fazer por merecer.
Alguns minutos depois, Laura saiu do banho. Estava abatida e vestia a camiseta preta de uma de suas bandas preferidas. Foi para a cozinha jantar, mas antes que pudesse servir a primeira colher de arroz, a mãe se aproximou com uma sacola cheia de CDs. Ameaçou a garota, dizendo que se as notas não subissem no próximo semestre, os CDs seriam escondidos até que ela tomasse jeito com os estudos. Sem dizer uma palavra, Laura assentiu com a cabeça. Sentou-se à mesa, colocou a primeira garfada na boca e fechou os olhos bem apertados para evitar que as lágrimas descessem. Voltaria a ser a filha perfeita até que tivesse seus CDs de volta.
De fato, no bimestre seguinte as notas aumentaram. Com os CDs de volta, Laura não teve interesse em ouvir nenhum. Apenas guardou em seu armário, colocando tudo em ordem alfabética. Os sonhos haviam chegado ao fim e ela já estava preparada para se tornar uma dessas pessoas rigorosas e burocráticas com lugar garantido em alguma repartição pública.

domingo, 12 de outubro de 2008

Anti-fumo ou anti-fumantes?

Lendo os comentários a respeito do video do Danilo Gentili sobre cigarros, fiquei com receio de eu mesma ser interpretada de forma errada. Primeiramente, não tenho nada contra quem fuma - minha mãe fuma -, mas odeio cheiro de cigarro. E detesto estar em lugar fechado (barzinho, restaurante, balada) com gente fumando. Não só pelo cheiro de cigarro na roupa e no cabelo, mas também por não conseguir respirar nesses lugares. Além disso, fico com dor de cabeça e enjoada, e acabo até evitando ir a locais onde sei que os fumantes extrapolam o vício. Daí, na revolta, penso: "Quer fumar? Vai embora! Se seu vício é tão importante e divertido, o que você está fazendo aqui?".
Cada um escolhe o que quer. Se acha fumar legal e bonito, se fazer isso acalma, tem que ter o bom senso de não sair dando baforadas na cara dos outros (ou na roupa, no cabelo...). Não sou politicamente correta nem conservadora, e acho esses avisos nas caixas de cigarros um tanto idiotas - quem fuma sabe de tudo aquilo, e se o faz é em plena e sã consciência. Só não quero passar mal em virtude das escolhas dos outros.

Obs.: Isso vale para qualquer tipo de cigarro.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Danilo Gentili

Cigarros


O eterno repórter inexperiente do CQC discorre sobre o cigarro em um de seus monólogos de comédia em pé. Sarcástico e inteligente, Danilo Gentili tem as respostas para o por quê de eu odiar cigarro. Quem discordar pode ir lá para o canto fumar.




quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Eu tenho medo...

(Isso também me dá medo.)

Cair no vão do metrô
O vão que separa a plataforma do metrô é um pequeno passo para a humanidade, mas, dependendo da estação, é um grande salto para mim. Tenho medo de me desequilibrar, ficar presa ali e ser arrastada.

A próxima capa da Rolling Stone brasileira (não acompanho a original)
A revista já não é muito boa, mas as capas conseguem ser pior (salvo raríssimas exceções). Como levar a sério um veículo que já estampou o NX Zero pelado, o Paulo Coelho poser, a Grazi Big Brother... ?

Unanimidade
Às vezes, a unanimidade tem razão. Mas, de modo geral, ela acaba desviando a atenção para uma única idéia (ou filme, livro, álbum musical...). Sou a favor da análise do todo e do desnude das influências externas.

Conservadorismo e politicamente correto
O que dizer de tipos que tentaram boicotar exibições de filmes como O Povo Contra Larry Flynt (“exaltação à pornografia”), Trovão Tropical (“deficientes mentais ridicularizados”) e Ensaio Sobre a Cegueira (“cegos tratados como perversos”)?

Filmes com o Ashton Kutcher
Tenho trauma dos filmes com o Ashton Kutcher. Tanto que não quis ver nem Efeito Borboleta, que virou um cult inesperado. Aquela cara de idiota, a mediocridade da atuação dele e mesmo os trailers dos filmes me lembram o quanto meu tempo é precioso.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Um mistério diário

Alguns o chamam de Mel. Outros, de Mineiro. Eu nunca soube o nome dele, e jamais dei muita importância a desacelerar os passos, parar por alguns instantes e fazer essa pergunta. Não que eu seja tão antipática a ponto de ignorar pessoas que vejo diariamente, apenas fico vermelha quando ele me vê e começa a gritar “Bom dia, minha coisinha linda. Tudo bem com você?”. No início, eu dava risadas tímidas, tentando contê-las ao me deparar com saudações diárias que a vizinhança inteira podia ouvir. “Oi minha gata”; “Essa daí é linda mesmo”; “Ela não é dez, é mil”... quantas vezes ouvi essas expressões, seja em dias de sol ou de chuva interiores? Não sei, é assim quase todos os dias quando chego à empresa para trabalhar.
Novata no emprego, dei um jeito de saber se o Mel era assim com todo mundo ou se eu tinha sido escolhida a musa dele. “Não liga, não. Ele fala assim com todas as moças. É meio lelé”. Não foi a resposta que eu esperava ouvir, mas poucos sabiam sobre ele. Mora em uma casinhola na rua, dessas que os guardas ficam para vigiar a vizinhança, e dorme sentado. Não sei como faz para usar o banheiro ou tomar banho, mas a morada dele tem até antena.
Um dos fatos mais interessantes que contaram a respeito do Mineiro (ou Mel) é que ele é rico. “Um dia deixaram uma correspondência para ele na recepção. Estava aberta e tinha o extrato da conta dele, não sei quantos mil reais”. Questionaram o interlocutor por quê o Mel morava na rua se tinha conta no banco e até uma quantia razoável nela. “Ah, ele deve gastar tudo e não guarda”.
Mel se tornou uma lenda. Em quase um ano que o vejo, ele continua o mesmo. Às vezes passam umas teorias pela cabeça sobre o verdadeiro passado desse misterioso varredor de calçadas, mas nada que me instigue a levar a sério – assim como as inofensivas cantadas que ouço cada vez que o encontro.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Eu admito!

Inspirado neste postdo blog Sunflower Records.

Filmes do qual eu gosto (mas seria linchada por cinéfilos por admiti-los)
- Débi & Lóide
- A.I. – Inteligência Artificial
- Escorregando para glória
- Surpresas do coração
- As grandes aventuras de Pee-Wee


Filmes que considero superestimados pela critica, público e afins (e um breve comentário sobre cada escolha)
- Moulin Rouge: Proibido para diabéticos. Irritantemente espalhafatoso e meloso.
- Os Incríveis: Lição de moral sobre a importância da família em nossas vidas.
- Juno: Diálogos inverossímeis, trilha sonora estática e personagens babacas.
- E.T. – O Extraterrestre: Nem quando eu tinha seis anos de idade gostava desse filme.
- Encontros e Desencontros: Vazio e pretensioso, vale pelo Bill Murray.

Músicas que eu ouço (e canto) sem culpa
- Raindrops keep fallin’ on my head (qualquer versão)
- Trem das Onze (Demônios da Garoa)
- Baby one more time (versão do Travis ou do Bowling for Soup)
- You oughta know (Alanis Morissette)
- Because you loved me (Celine Dion)

(Quase) ninguém sabe que...
- Acho o Leonard (Johnny Galecki), da série The Big Bang Theory, sexy.
- Liguei para uma rádio, cantei Don’t look back in anger ao vivo e fui elogiada.
- Tenho um copo de estimação: Só bebo leite nele e tenho ciúmes se alguém usa.
- Fui campeã duas vezes de interclasse de futebol feminino (por escolas diferentes).
- Minha primeira paixão platônica foi o Tom Hanks.

Fatos e atitudes que denotam uma certa velhice e/ou rabugice precoce
- Ter mais vontade de bocejar quando vejo filmes de ação e cheios de efeitos visuais do que em obras do Ingmar Bergman ou do Luchino Visconti.
- Sentir-me em uma creche quando estou rodeada por pessoas com no máximo dois anos a menos do que eu.
- Não conseguir fazer nada só para agradar os outros, agir com certo egoísmo e teimar nas idéias até o fim.
- Usar a expressão “quando eu era mais nova”, ao me referir a algum acontecimento do passado.
- Lamentar por Piratas do Caribe não ter parado no primeiro filme – e o quarto já foi confirmado.

sábado, 4 de outubro de 2008

Da série...

...Não se faz mais homens como antigamente


Paul Newman

(RIP Butch Cassidy)

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Sete meses

(Recomendo a leitura de Rosas vermelhas antes deste texto)

Passaram-se sete meses, e as rosas vermelhas não exalavam mais o perfume. Estavam mortas, assim como aquela amizade, que não resistira à decepção. Nesse tempo, estive sozinha, enfrentando as dificuldades de perder os amigos, sendo que jamais fui questionada sobre o que sentia ou sofria.
Aos poucos, excluía outra pessoa de meus pensamentos – aquele do qual eu gostaria de ter recebido as rosas, e que desapareceu junto aos outros. A vida, porém, prepara alguns desafios e surpresas agradáveis para mim, de vez em quando – na verdade, só quando está de bom-humor (ou seja, raramente).
Em uma tarde de sábado, fazia um trabalho de faculdade quando decidi ligar o ICQ (alguém ainda usa?) por alguns minutos só para xeretar. E lá estava, pela primeira vez, aquele que não mandou as rosas. A partir de uma rápida conversa, marcamos um encontro no dia seguinte e o namoro durou mais de três anos. Acabou, como tudo na vida.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Catarina, a mulher

Catarina se vestiu de menino. Colou um bigodinho falso, emprestou a roupa, o sapato e o boné de um amigo, adotou uma postura encurvada e engrossou a voz. Julio e Dino olharam surpresos para ela: parecia realmente um moleque largado, mas era a mesma Catarina astuta de sempre.

A moça propôs uma aposta para ver quem chegaria primeiro ao outro lado da pequena ponte que passava sobre um córrego de águas calmas. Queria provar a superioridade feminina mesmo em vestes masculinas. Era uma feminista, dessas que evocam nomes feios em brigas pela igualdade (ou superioridade) da mulher e agem de forma inesperada e impulsiva. Os três amigos estavam preparados para a corrida, quando a moça furou a largada e saiu à frente, chegando primeiro ao outro lado. Os rapazes riram da trapaça e aceitaram a derrota. A amiga era a mais esperta do grupo, não havia o que discutir. E os dois estavam apaixonados por ela; só não brigavam porque a amizade era forte demais para uma disputa dessas torná-los inimigos. Catarina, perspicaz e interesseira, reconhecia a admiração mútua, e isso fazia com que sentisse ainda mais querida. Queria ser uma mulher livre, sem dono, rotina e responsabilidades. Seu destino era ser amada e conseguir tudo o que quisesse, sem ter de retribuir o sentimento ou dar aos outros aquilo que eles gostariam de receber.

Quando Julio finalmente tomou coragem para se declarar à amiga, diante da desistência de Dino, ela o aceitou imediatamente. Foi um impulso que acometeu suas idéias e a vontade de experimentar uma outra vida, sem que a quisesse para sempre. No entanto, sabia que não havia sido feita para amar. Seu orgulho era grandioso demais para que pudesse amar alguém, e seu egoísmo não permitia que pensasse nos outros antes de si própria. Seria vantajoso ter um marido, alguém que se preocupasse com seu bem-estar e suas vontades. Mas levantar cedo para cuidar da casa, dos filhos e do marido, e deixar os hobbies de lado para assumir afazeres domésticos, estava fora de cogitação. Queria a melhor empregada para cuidar de tudo. Nas noites em que Julio estivesse fora, sairia em busca de diversões sem culpa. Dessa maneira, construía seu futuro imaginativamente nas folhas de um caderno antigo, onde desenhava um vestido de noiva e um terno a rigor, colando a foto de Julio no corpo feminino e a sua nas vestes masculinas.