segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Sonhos ocultos

Laura sempre foi uma boa filha. Renegava seus sonhos e desejos apenas para satisfazer seus pais, exigentes e autoritários. Em épocas de provas, ela se trancava no quarto e relia as matérias até enjoar. Parava, descansava um pouco e relia tudo de novo até decorar. Nem sempre seu método de estudos dava certo, mas suas notas não eram baixas para o padrão dos colegas de sala – e apenas os pais questionavam o sete na prova de matemática.
Com doze anos de idade era uma garota esforçada, preocupada com a opinião dos pais sobre seus rendimentos e suas responsabilidades. Apenas isso importava para ela. Quando encontrava familiares ou amigos da família, se encolhia de timidez e orgulho ao presenciar elogios paternos com relação aos seus estudos e à sua inteligência. Os ouvintes olhavam para ela admirados, parabenizando pelas boas notas. Freqüentemente perguntavam o que ela queria estudar na faculdade, mas com apenas doze anos não tinha tanta certeza sobre o que ser, pois tinha que se preocupar tanto com o presente que mal conseguia sonhar com o futuro. Achava quase impossível se imaginar adulta, casada ou solteira, trabalhando ou estudando. E sofria mais pressões de si mesma do que dos próprios pais: não se permitia sonhar.
Os anos foram passando e ela percebia que sua dedicação à escola não era tão recompensadora assim. Afinal, do que adiantava ser uma aluna reconhecida pelos professores se aprisionava seus sonhos no labirinto mais obscuro do cérebro? Os sonhos começaram a aflorar primeiro durante o dia, no meio de alguma aula desinteressante. “Para quê vou usar isso na minha vida?”, se questionava olhando para as fórmulas complicadas no caderno. Logo, a voz do professor era encoberta por canções que encontravam a saída do labirinto cerebral e eram entoadas silenciosamente. Imaginava-se cantando para uma grande platéia, namorando o cara da banda de que gostava, sendo reconhecida pelos colegas como uma conhecedora invejável da boa música... Eram sonhos que mal começavam e já tinham um desfecho delirante.
Mais madura e mais rebelde, Laura foi deixando as obrigações escolares de lado para se dedicar aos delírios diurnos. Ligava o rádio, colocava uma música em inglês e tentava compreender as declarações de amor envoltas por solos de guitarra. Quando percebia que devia se concentrar em outras atividades, logo começava a se imaginar mais velha e mais bonita, invejada pelas mulheres por seu sucesso no campo amoroso e profissional.
Suas freqüentes desconcentrações se refletiram nas notas. Alguns professores, surpresos, a chamaram para conversar no final de suas respectivas aulas, questionando se estava com dificuldades ou se havia algum problema externo atrapalhando seus estudos. De cabeça baixa e com atitude de quem estava apressada, Laura respondia que era apenas uma fase e não queria levar seus problemas pessoais para a escola. Colocava os fones nos ouvidos e saía da sala de aula em passos rápidos.
Em casa, os pais analisavam insatisfeitos o boletim da filha. “Sempre tão dedicada e responsável, o que houve com essa menina?”, perguntava o pai. Já a mãe, que demonstrava mais facilmente sua irritação, respondia ao marido que uma boa conversa poderia resolver aquilo tudo.
- São essas malditas músicas. Agora fica ouvindo esses maconheiros que não fazem nada na vida além de usar drogas e ganhar dinheiro dos pais desses adolescentes mimados. Se ela não tiver CD para ouvir, vai ter que estudar e fazer por merecer.
Alguns minutos depois, Laura saiu do banho. Estava abatida e vestia a camiseta preta de uma de suas bandas preferidas. Foi para a cozinha jantar, mas antes que pudesse servir a primeira colher de arroz, a mãe se aproximou com uma sacola cheia de CDs. Ameaçou a garota, dizendo que se as notas não subissem no próximo semestre, os CDs seriam escondidos até que ela tomasse jeito com os estudos. Sem dizer uma palavra, Laura assentiu com a cabeça. Sentou-se à mesa, colocou a primeira garfada na boca e fechou os olhos bem apertados para evitar que as lágrimas descessem. Voltaria a ser a filha perfeita até que tivesse seus CDs de volta.
De fato, no bimestre seguinte as notas aumentaram. Com os CDs de volta, Laura não teve interesse em ouvir nenhum. Apenas guardou em seu armário, colocando tudo em ordem alfabética. Os sonhos haviam chegado ao fim e ela já estava preparada para se tornar uma dessas pessoas rigorosas e burocráticas com lugar garantido em alguma repartição pública.

7 comentários:

Sunflower disse...

o pior castigo do mundo.

Sei oq vc quis dizer quanto ser malinterpretada. Viu Marte Ataca, que os aliens falam um monte de coisa sobre destruiçao e o tradutor só sai o oposto. A minha vida é Marte Ataca ao contrário.

beijas

Anônimo disse...

Gentiii .! Foi vc que escreveu esse texto ou não .??? Dei até uns sorrisiinhos e fiquei pensando agora rsrs muuito bom, alas o Rafael Cortez postou um texto mto bom tbm no blog dele passa lá .! Bj
PS: Vi teu blog no meio dos coment's do blog do Andreoli
:D

Anômima disse...

Juliane,

Sim, fui eu que escrevi o texto. Revirando os arquivos do meu computador, encontrei-o e percebi que faltava apenas finalizar. Não sei por quanto tempo ele ficou lá, esperando para ser relido e finalizado, mas acho que deve ter passado entre um ano e meio ou dois anos até que eu me interessasse novamente por ele.

Menina Enciclopédia disse...

poxa... parece que eu conseguia sentir a tristeza da garota sendo obrigada a ser "normal"...
beijos, adorei!

Tania Capel disse...

nossa, que triste...

Alexandre disse...

Confio em Laura. Ela deve ter se saído bem no final.

Mas sempre há uma fase de construção de muros, é inevitável.

Cristina disse...

Gostei muito desse texto :]