Ela nutria uma grande paixão por aquele rapaz. Passeavam de mãos dadas pelo parque, dividiam a pipoca no cinema e se viam todo final de semana. Mas um dia, como um impiedoso psicopata, ele enfiou uma faca afiada em seu coração. Como se não bastasse, rasgou-lhe o peito e arrancou o músculo, enterrando-o no jardim.
Ela ficou meses atônita, como que sem vida. O mundo havia perdido as cores, os aromas, os sabores, os sons e as texturas de que tanto gostava: o tom alaranjado do pôr do sol, o cheiro do pão quentinho na padaria, o sabor irresistível do sorvete, o canto do pássaro no quintal, o toque macio do casaco de lã.
Um dia, outro jovem chegou ao jardim. Sentou-se no banco e ficou admirando as plantas e as flores primaveris. Ao notar a terra remexida, não evitou o impulso de analisa-la de perto. Desenterrou um coração quase despedaçado. Levou-o à torneira e limpou delicadamente. Percebeu o rasgo diagonal em seu centro e costurou com agulha e linha. Recuperou-lhe o vigor e procurou a quem pertencia.
Ficou semanas em busca do dono daquele coração maltratado. Um dia, na fila do supermercado, viu a moça à sua frente esquecer uma sacola de compras. Apressou-se para lhe devolver. Quando ela se virou, apática e pálida, descobriu que era a dona daquele coração. Estendeu-lhe a sacola de compras esquecida e lamentou mentalmente por não estar com o coração no momento.
A partir daquele dia, não saía de casa sem o coração da moça. Voltou tantas outras vezes ao mesmo supermercado, na esperança de reencontrá-la. Inesperadamente, a viu na rua, vindo na direção oposta. Sua respiração parou e não sabia como agir. Impulsivamente, chamou-lhe, dizendo que algo havia caído de seu bolso. Quando ela se virou para olhar, ele entregou o coração. Ela sorriu e o colocou de volta no peito. Agradeceu e seguiu seu caminho.
Nunca mais se viram, mas desde então a moça voltou a sentir o mundo do jeito que a fascinava.
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