segunda-feira, 29 de setembro de 2008

A propósito do deslumbramento

Como eram mais doces aquelas manhãs em que acordava ao seu lado, sorridente e serelepe. O mau hálito já não tinha tanta importância, nem as remelas nos olhos que acabavam de abrir. O estômago roncava de fome, mas a vontade de ficar ali só mais alguns minutos o prendiam à cama. O dia estava começando, ensolarado e fresco. O vento atravessava as frestas da janela do quarto e empurrava suavemente a cortina, que dançava melancolicamente em um ritmo quebrado.

Era tudo tão novo, tão gostoso, tão... deslumbrante. Ela só conseguia enxergar o que havia de bom naquilo tudo. Defeitos, manias e implicâncias eram jogados no canto e ficariam ali durante algum tempo, até serem remexidos e desmistificados.

Contentava-se com pouco. E havia poucos e poucas naquela convivência. Poucas discussões, poucos argumentos, poucos beijos, poucos passeios, poucas idéias e poucas confissões. Era tudo morno, mas proveitoso. Desde quando se tornaram mais íntimos, ela cravou uma fantasia na cabeça de que todas aquelas maravilhas eram obras dele: ele era muito bom, não podia negar.

Mas um dia, o deslumbramento revelou-se fajuto. Mirrado, azedo e irritante. Bobo, fantasioso e falso. Franzindo a testa, com os lábios imóveis e o maxilar tenso, mergulhou e revirou o espaço gelatinoso que separava o imaginário do real, esticando as mãos para alcançar rapidamente as imagens que buscava. Tocou-as com as pontas dos dedos e retrocedeu. Estava tudo ali, tão claro e recompensador que esboçou um sorriso malicioso. Ela era a dona daqueles momentos; ela os controlava e manipulava para serem como eram. Com um ímpeto feminista, desfrutou da solidão e caiu em um sono profundo logo em seguida.

6 comentários:

Sunflower disse...

Fala sério, isso foi pra mim.

Encaixou que nem peça de quebra-cabeça, em um dos pedacinhos vazios do meu coração.

Beijas

Sunflower disse...

Já viu Once? Escrevi sobre ele no suncine.

mais beijas

Sunflower disse...

Me fala que eu não to doida:

PARECIDO:

http://doceintolerancia.blogspot.com/2008/09/na-amizade-na-desgraa-e-no-cinismo.html

versus

http://sunflowerrecords.blogspot.com/2008/04/na-amizade-no-cinismo-e-na-doena.html


e enfim, IGUAL

http://doceintolerancia.blogspot.com/2008/09/sobre-o-quando-minha-cadela-me-choca.html

versus

http://sunflowerrecords.blogspot.com/2008/07/post-velho-blogue-novo.html

comofaz?

Tania Capel disse...

nossa, hj o dia acordou pra lembrar de "acordares"!! tb escrevi sobre isso logo cedo... num contexto um pouco diferente, mas... tb sobre acordar com alguém!

ai, ai... deve ser a primavera!
beijos mil

Alexandre disse...

Deslumbrar-se e desiludir-se, difícil um não vir acompanhado do outro. Mas é assim, essa é a beleza da coisa. O tempo passa e a gente vai se dando conta pouco a pouco que vivenciar essas "ondas afetivas" é o que dá razão pra tudo. :)

Cristina disse...

Mas como a vida seria chata se não houvesse essa dose de deslumbramento...