terça-feira, 23 de setembro de 2008

Saúde!

Estação de metrô da Sé, onde habitantes de todos os cantos da metrópole se esbarram, se empurram e se xingam. A escada rolante subia lentamente, na sua melancolia diária e interminável. O ruído remete a rotina: trabalho, escola, faculdade, viagem, compras. O vento paulistano percorre quilômetros e chega até mim trazendo consigo poeira, poluição, vírus. Um forte espirro, o rapaz ao lado olha para mim e pronuncia um atencioso “Saúde!”. Em resposta, um “Obrigada!” engatilhado na ponta da língua.

“Saúde!”. Essa simples palavra, que eu mesma não costumo utilizar em meu vocabulário de trocas cordiais de expressões cotidianas, pontuou a razão de existência daquela manhã. Todos envoltos em sua bolha invisível, preocupados com seus próprios compromissos e atrasos, em busca de um assento no banco do ônibus ou do metrô. Homens e mulheres sem rosto, como pinturas de Magritte, julgados por suas vestes, rumo ao ganha-pão de cada dia.

Passageiros anestesiando o tédio com seus iPods e tocadores de MP3. Alguns rompem o raro silêncio com conversas telefônicas, animadas ou emburradas, compartilhando, involuntariamente, segredos com os demais viajantes. Entre si, não trocam frases, gentilezas ou olhares.

Esteja o dia começando ou terminando, a pressa e o desprezo são os mesmos. Algumas particularidades durante essas viagens, curtas ou longas, quebram a rotina e marcam o dia, a semana, o mês... São atos simples que nos surpreendem e estampam um pequeno sorriso no canto dos lábios. “Saúde!”.

5 comentários:

Cristina disse...

As viagens de metrô/ônibus são capazes de render uma crônica por dia.

Sunflower disse...

tão tão visual.

viajei entre a poeira e o vírus e do lando das mãos das pessoas que se seguram e tentam nao ver umas as outras.

Aqui teriam dito saúde, é comum. Mas bom mesmo é Bélem que teriam receitado uma mandinga do mato profundo.

beijas

Alexandre disse...

concordo com a Cris, e complemento: o metrô é a síntese da paulicéia.

Lu. disse...

Texto perfeito.

Sou a rainha de dizer "Saúde". E de dar sorrisos a estranhos simpáticos. Talvez seja por isso que, quando em São Paulo, sou claramente apontada como turista - mesmo não sendo.

Tania Capel disse...

o lado bom de morar numa cidade do interior é que o mundo daqui ainda não mergulhou no individualismo!
sempre me sinto solitária quando vou a são paulo...

lembro um dia no metrô... um menino desenhava um anjo (bem do meu lado) e eu fiquei olhando ele desenhar, daí ele perguntou: gosta de arte? e começamos a conversar, ele disse q desenhava a namorada dele que morreu, e tentava empregar no desenho o olhar dela que ele tanto amava... e de fato, todos os olhos eram absolutamente brilhantes e vivos!
num determinado ponto do percurso o menino desceu... antes, disse que era a primeira vez que falava disso com alguém (a namorada havia morrido há dois anos!)... então, fiquei pensando: será que nunca ninguém parou pra ouví-lo? será que nunca ninguém reparou nos olhos dos anjos que ele desenhava?

o menino foi, mas os olhos dos anjos ficaram... é, entendendo agora a pergunta: vc gosta de arte?

beijos mil