segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Platão e o equilibrista

Julieta olhou para cima com admiração e espanto. O público, reunido na imensa praça antiga, gritava e aplaudia a cada passo que ele dava, e quando pareceu perder o equilíbrio, ela quase prendeu a respiração, devorando o espetáculo com olhares tensos e lábios imóveis. Mas o equilibrista recuperou a força e atravessou a corda inteira em uma corrida, alcançando o outro lado sob aplausos e assovios.
Fazia calor naquela noite, e a pequena cidade estava toda concentrada naquele local. Julieta observava o equilibrista e sentiu seu coração palpitar de um modo diferente. Acelerava quando o risco de o artista cair se tornava iminente; tornava a bater mais devagar assim que ele concluía com sucesso alguma de suas peripécias sobre a corda. Ela mal conseguia enxergar seu rosto, mas o desenhava em sua mente, concluindo por si mesma traços como o a cor dos olhos; o formato das sobrancelhas, do nariz e do queixo; o tom da voz.
O equilibrista finalmente terminou o seu número. Desceu por uma escada improvisada e agradeceu o público pelas saudações. Julieta seguiu o homem com os olhos, como se suas pernas estivessem travadas. Conseguiu se desvencilhar da timidez e correu de encontro com o artista. Franzino, sorridente e ágil, ele se assustou ou vê-la ali, na sua frente, tão repentinamente, elogiando as acrobacias e sua coragem em desafiar uma grande altura. Falava sem pausas, temendo o sumiço da voz após dizer tudo o que gostaria, e ele partiria para sempre após um seco “obrigado”.
Surpreso, ele a interrompeu dizendo que treinava muito para conseguir aquele espetáculo longo e intenso. Nesse momento, Julieta sentiu o perfume daquele homem dispersar-se com a brisa que anunciava uma tempestade de verão. Ela comparou o desenho que fizera daquele rosto e a verdadeira fisionomia, que se postava diante dela. Os olhos escuros, as sobrancelhas arqueadas, o nariz pequeno, os cabelos anelados, o queixo levemente quadrado, os lábios finos, a voz tranquila... Subitamente, suspirou e pediu para que ele a levasse consigo para onde quer que fosse. Faria o que precisasse: remendaria suas roupas, anunciaria seu nome à platéia, cozinharia.
O artista enrubesceu e beijou-lhe a face. Em silêncio, guardou as coisas no pequeno veículo. Entrou, ligou o motor, e acenou, despedindo-se da mulher que lhe propôs casamento. Ela ficou parada, com uma lágrima no olho esquerdo, colorindo mentalmente um futuro hipotético, distante e acinzentado.

3 comentários:

Tania Capel disse...

L-I-N-D-O!!!
ai, ai....
beijos mil

Rodrigo Carreiro disse...

Adorei essa Julieta. Não sei porque, mas gostei.

Alexandre disse...

Que filme é esse?