terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Festa imaginária

O convite deixou claro: “Você é o meu convidado e sua presença é indispensável. Compareça, sem barreiras linguísticas, espaciais ou temporais”. No canto do pequeno salão, um sujeito com expressão mal-humorada se encosta na parede, girando uma bengala no ar, com a cabeça levemente baixa e as sobrancelhas levantadas, assistindo a um homem de meia idade que passa por ele em direção a um quadro levemente torto na parede, com olhos atentos para não pisar nos rejuntes dos pisos. Uma mulher loira o acompanha em silêncio, evitando olhar para qualquer um dos convidados.
O homem da bengala retira um pequeno frasco de comprimidos do bolso e joga alguns na boca. Nesse instante, uma moça baixa nota o tom azul de seus olhos. Percebendo a presença de alguém que rotularia como intrometida, vira-se para ela educadamente:

- Vicodin?
- Hã? Não, obrigada…

A moça se afasta, confusa, em direção ao sofá, onde dois amigos discutem algum assunto que parecia ser interessante.

- Mas o que estou dizendo é que a sua teoria não pode ser aplicada nesse caso, especificamente. – afirma o rapaz de óculos.
- Como não?! Quem disse que você tem a autoridade no assunto para me corrigir na frente destas pessoas? – exaspera-se o colega.
- Não tem ninguém ouvindo a nossa conversa… - vira lentamente a cabeça e nota a moça ali, com um ponto de interrogação invisível na testa. – A não ser ela. Oi!
- Oi!
- Ei, você não acha que uma pessoa que concluiu o doutorado há tão pouco tempo não deveria ter a audácia de discordar da minha brilhante tese…
- Olha, eu não sei. Não estou ouvindo a conversa de vocês. Então… hum… com licença. – e se distancia mais uma vez, suspirando, enquanto o homem de óculos culpa o amigo por conseguir afastar tão rápido as pessoas que se aproximavam.

Logo adiante, um homem e uma mulher riem de um colega. Baixo, acima do peso e de óculos, ele retruca o deboche, disparando receios insólitos sobre a mulher com quem estava saindo há uma semana.

- Biff! Pode ser verdade: o cachorro de estimação do irmão dela teve que ser operado e ela precisou ficar lá para apoiar os sobrinhos. – o colega, sarcástico, tenta acalmá-lo.
- Eu não acredito… aposto que ela pensa que eu sou um mão de vaca só porque esqueci minha carteira em casa quando saímos.
- Nas duas vezes? – olha para ele, incrédula, a amiga.

A festa está apenas começando. Mais convidados entram e pequenos grupos se formam pelo salão, estabelecendo diálogos entre si. Algumas pessoas chamam a atenção pelas vestes de época; damas e cavalheiros do século 19 comportando-se de forma elegante e dançando como se estivessem em um baile aristocrático. No palco, um trio incia os primeiros acordes de
The Last Polka. O ambiente torna-se animado na medida em que um tênue nevoeiro confere aparência etérea à noite.

3 comentários:

Lu. disse...

Se um dia encontrar um sujeito de bengala em uma festa, eu permaneço ao seu lado. Claro.

Adorei o texto, moça.

Karine disse...

Você tem um estilo marcante.Eu gosto.

^^

Fiquei com pena da moça,ela parece tão perdida..

:)

Cristina disse...

Gostei do texto, mas não entendi nada :/ rs