quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Hidrofobia

Ainda me lembro daquele verão. Às vésperas da comemoração de ano novo, uma garota magra e pequena, de cabelos castanhos, andando descalça à beira do lago. Vestindo calças curtas cor-de-rosa e top branco, sentou-se no chão de madeira que alcançava “quase até o fim da água”, como costumava dizer. A ponta do dedão do pé esticava até doer só para encostar na superfície fria da água. Primeiro, tocava aquela película extraordinária que fazia com que os insetos andassem sobre ela. Quando ouvia o avô contar a história de Jesus andando sobre a água, imaginava que ele poderia ter sido um inseto gigante, ou então que Deus o transformou naquele momento só para impressionar as pessoas. 
Quando a película se rompia com a força do dedo, atribuída à unha do pé que rasgava a água, mergulhava e tirava rapidamente o irmão mais velho do mata-piolho, o mata-formiga. Tinha medo de que algum peixe confundisse aquela massa branca com um pedaço de pão atirado por alguma das outras crianças que visitavam o lugar todo final de semana. A mordida deveria doer, então apenas alguns segundos eram o suficiente para que a adrenalina de quase perder o dedo do pé a satisfizesse.
O lago era verde escuro. Gostava de observar os reflexos das nuvens em suas águas vitrais. Quando ventava, pequenas ondas levavam folhas secas e galhos de árvores afogados até a margem, todos marrons e moles. Do lado raso, observava famílias se banhando, espirrando água para cima. O olhar ciumento do pai da moça que beija o namorado e toca as mãos na costa descamisada e bronzeada do amado. Queria ter um namorado assim um dia. Bonito, alto, forte, bronzeado e sorridente. Pegava a moça no colo e a jogava na água. Só que a menina observadora tinha medo de água. Mas quando crescesse, perderia o medo, assim como a irmã mais velha não tinha mais medo do escuro, e ela um dia aprenderia que o medo só existe quando se é pequena e fraca demais para lutar, seja contra o preto da noite, a água do buraco imenso, a bronca do pai enciumado.
Aquele verão ainda está na minha memória. Cresci e perdi o medo do escuro e do pai ciumento. Mas a água ainda me assusta e nunca irei me divertir ao ser atirada no lago por braços musculosos e bronzeados.

6 comentários:

Sunflower disse...

Jesus como um grande inseto. Nunca havia pensado nisso.

Ser jogada na água é superestimado.

Beijas

Sunflower disse...

Ah, o vídeo é do CQC. Um cara mandou uma carta imensa toda cheia de firulas dizendo que tinha conhecido um cara e blablabla pensava nele direto e blablabla se isso significava que ele era gay.

Ronnie Von se virou e simplesmente disse: "significa".

Larissa Santiago disse...

verões "isnequecíveis"
assim escrevia eu nas redações do primeiro dia de aula!

Anônimo disse...

Eu li seu comentário no blog "Síndrome de Mia Farrow" sobre o Oscar. Por enquanto só estou sabendo do MSN, que transmitirá ao vivo a entrega das estatuetas.

http://events.br.msn.com/oscar-2009.aspx

Alexandre disse...

A moça precisa perder esse medo. Poucas coisas são tão boas na vida como uma hidroimersão - palavras de quem aprendeu a gostar de piscina.

Cristina disse...

Estou perdendo meu medo de água aos poucos, tanto que descobri esses dias que consigo boiar na piscina. Já é alguma coisa, e vou tentar uma vaga na natação do sesc - todo mês, até conseguir.