quinta-feira, 19 de março de 2009

Serenata

Em alguma noite quente no final dos anos 90...

- Vai gente, quando eu disser três vocês começam a tocar que eu entro cantando.
- Tem certeza que quer isso? Ela já não deixou bem claro que não quer te ver? Então, pra quê?
- Xiu, pega seu batuque aí e se prepara. Um, dois, três…
Os amigos começaram a tocar lentamente e Otávio entrou com a voz, tentando disfarçar o tom trêmulo e desafinado.
- Ela passou do meu lado.
Oi, amor - eu lhe falei…

Na sala de casa, Silvana arregalou os olhos e puxou a cortina da janela para confirmar a suspeita de que a tal serenata não era conversa fiada. Em poucos segundos, os irmãos, a mãe e o padrasto abriram a porta para ver o que estava acontecendo.

- Hoje à noite não tem luar, e eu estou sem ela. Já não sei onde procurar, onde está meu amooooooor.

Ela esperou terminar a música para decidir se aparecia no quintal ou se escondia debaixo da cama.
- Sil, vem ver. Tem uns vizinhos aqui batendo palmas. – disse inocentemente o irmão mais novo.
- É, estou ouvindo. – respondeu a moça, entre os dentes.
- Ah, mas que bonito. Peraí que eu vou chamar a Silvana. Ô Siiiiil! – gritou a mãe.
- Não grita, estou aqui. – a força do maxilar pressionando dente contra dente causou-lhe dor. O ódio crescia e a vontade era de quebrar o cavaquinho na cabeça do Otávio. O amigo dono do instrumento não tinha violão e era integrante de um grupo famoso na cidade, Don Pagodone.

- Mais que coisa bonita! Essa música é aquela dos Travessos? – suspeitou a vizinha emocionada, questionando ao batuqueiro.
- Não, Menudo.
- Menudo não! Legião Urbana, a banda da Silvana! – interviu Otávio, preparando o buquê de rosas vermelhas para entregar à amada. – Sil, venha cá. Preciso te entregar uma coisa, prova de que me arrependo e que gosto muito de você.

Silvana apareceu no quintal e falou alto, excluindo pela imaginação todas as pessoas à sua volta.
- Ah, menudete! Não quer tocar mais uma? Que tal Vamos a la playa, Gisele? Ou uma do Ricky Martin, pode ser? Livin’ la vida loca com a Gisele, não é? Não foi nessa música que você beijou ela?
- Sil, me arrependi. Desculpa! Olha só essas rosas…
- Que feio, só porque ela respondeu na prova que para saber a raiz quadrada é só dividir o número por quarto, o número de lados do quadrado?
- Se fizer isso com o 16 dá certo. – sussurrou o batuqueiro.
- Sil, ela foi um erro. Depois do que fiz, me arrependi.
- Nããããão, você se arrependeu depois que vieram me contar!

Os olhos de Silvana exalavam fumaça, como se estivessem pegando fogo. Sua voz se tornava maléfica e ela soltava risos diabólicos enquanto apontava as burrices de Gisele e jogava na cara de Otávio todas as suas atitudes estúpidas anteriores que ela tentava aceitar. Os vizinhos, lentamente, voltavam para suas casas, constrangidos pela vergonha que o rapaz passava, enquanto a mãe de Silvana a incentivava a entrar também e descasar. O grupo aos poucos foi se dispersando e, ao se ver sozinho, Otávio sentou na calçada e começou a chorar, até o telefone tocar. Atendeu murmurando:
- Oi Gi. Ah, não tô legal. Nada não. Amanhã… pode ser. Terminei com a Sil agora. A gente se vê e conversa direito. Beijo.

5 comentários:

Anônimo disse...

A pior raça do mundo é o homem

Anômima disse...

Não só o homem como a mulher-piranha também... hahaha

Mateus Rolim: disse...

belo texto..
eu sei o que é stand-up
infelizmente por aq não tem :((
mas um dia pretendo exercer essa profissão haha
beijos, cuide-se

Sunflower disse...

Cachorro!

Alexandre disse...

Ê Otávio. rs