Autointitulo-me cronista contista. Sento em frente ao computador, com ou sem ideias, e imagino cenas, relembro fatos. É como se um filme passasse pelos meus olhos e dele exalassem aromas e sabores. Uma experiência extrassensorial, com cores e superficies táteis. Tenho algumas inspirações durante o ato de escrever – alguns autores e artistas que convoco mentalmente no momento em que julgo necessário.
Pego a lista de chamada e observo os mestres às suas carteiras. Exerço o estranho papel de professora-pupila. Ernest Hemingway e F. Scott Fitzgerald discutem literatura com palavras devidamente lapidadas, formando frases perfeitas e visuais. Hemingway descreve um indivíduo introspectivo e observador em um café parisiense, enquanto Fitzgerald sopra palavras doces como a brisa em uma manhã de primavera que move as cortinas do palacete representante do sonho americano.
Rubem Braga bebe pausadamente uma dose de whisky, entremeada por tragos de cigarro e batidas metálicas da velha máquina de escrever. Cíntia Moscovich descreve toda a cena em um esboço escrito à mão, captando os detalhes e gestos mais sutis tanto do ambiente como dos personagens, à medida que Milton Hatoum observa a chuva pela janela, com suas gotas grossas e aveludadas que amortecem o som da água ao atingirem o vidro, o chão e o telhado.
Ao canto da enorme sala, Monet e Renoir conversam sobre suas pinturas impressionistas, usando muitos adjetivos para descrever desde a sóbria utilização do branco no vestido da dama aos reflexos da luz e das folhas outonais em um rio de águas calmas. Dalí e Magritte falam de sonhos e analisam descompromissadamente os delírios um do outro.
Metade da sala é ocupada pelos cineastas e seus projetos megalomaníacos. Os franceses de voz rouca se atentam a cada detalhe para filmar a centa perfeita. Jean-Pierre Jeunet cria um mundo à parte com suas cores e cenário únicos. Já Truffaut celebra o amor e a liberdade em tons acinzentados e melancólicos. Um francês fica dividido entre conterrâneos de pátria e de ideias: Michel Gondry dialoga um pouco com os colegas francófonos e com Charlie Kaufman e Spike Jonze, que destrincham uma história sobre solidão e identidade e a transformam em roteiro.
Aos poucos, outros mestres se materializam e o espaço da sala aumenta para abrigar todos eles. Meus textos buscam vida e são delimitados para não fugir da proposta inicial, mas cada palavra, vírgula e frase escapa aos grilhões e respira com alívio e saciedade.
segunda-feira, 27 de abril de 2009
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4 comentários:
quanta gente boa pra te inspirar, hein?
bem, vc só pode estar falando de "paris é uma festa" no começo do texto, né? eu li faz muito tempo... meio a contragosto... precisaria ler pra dar o valor exato da obra...
beijo!
Caraca, te entendo. Até porque isso acontece comigo também. As suas inspirações são boas, hein!
Bjos
se eu fizesse isso, pensar nessa galera toda, eu ia ficar acuada no cantinho hiperventilando gritando sem parar:
- eunãoconsigo eunãoconsigo eunãoconsigo eunãoconsigo...
Que bom que essas figuras te inspiram e que você consegue escrever. E diga-se, escreve muito bem.
Eles também me inspiram, susurram coisas maravilhosas aos meus ouvidos. Mas ao pensar na grandeza deles e ao ler o que eu escrevo, me sinto a última das mortais.
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