quinta-feira, 25 de junho de 2009

Anonimidade

Era uma noite fria e úmida, dessas em que finas gotículas de água esfumaçam a luz que ilumina as ruas. Lado a lado, ele e ela caminham pela calçada da travessa escura e estreita. Ele, um homem alto com o pescoço envolto pelo cachecol xadrez, o nariz vermelho e as duas mãos dentro do bolso do casaco. Ela, uma mulher baixa de cabelos escuros, com botas nos pés e um discreto chapéu.
A cidade parece imersa em um sono infinito, mas a atmosfera silenciosa é interrompida por ruídos de latas de lixo que servem de trampolim para os gatos vira-latas saltarem em direção ao muro do velho restaurante italiano. As outrora chamativas luzes neon dos bares e restaurantes agonizam e se esforçam para se manterem acesas, piscando, oscilando, emitindo zunidos perceptíveis pelos passantes que se postam embaixo do painel brilhante.
A dupla não troca olhares. Ele olha fixamente para o chão, enquanto ela finge ter algum interesse no gato que atravessa a rua em direção à soleira da porta de um velho sobrado. Em meio aos restaurantes fechados, o jazz escapa do interior de um bar decadente, levando melancolia aos ouvidos mais próximos. O saxofone chora na medida em que a agulha da vitrola desliza sobre o vinil cambaleante e a fumaça do cigarro do velho dono solitário constrói formas elegantes no ar que dispersam e desaparecem segundos depois.
Ele empurra a porta do bar e ela entra antes, em silêncio. Sentam-se à mesa de madeira coberta por uma toalha verde encardida. Os quadros na parede evocam um passado glorioso àquela travessa e seus frequentadores ilustres – músicos, pintores, escritores, jornalistas. Um suspiro pouco audível escapa dos lábios dela enquanto ele encara o fundo do copo de gim.

2 comentários:

Alexandre disse...

Quando li o primeiro parágrafo visualizei John & Yoko.

Cristina disse...

Verdade, evoca John e Yoko...