quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Amores à parte

Assim que ela conferiu a hora no relógio de pulso, ele entrou pela porta de vidro tentando disfarçar o nervosismo. Esticou o pescoço para a beijar, mas ela estendeu a mão direita e perguntou como estava.
- Tranquilo, tranquilo. 
- Então podemos começar?
- Claro, claro.

Ela deu um leve sorriso ao notar a repetição de palavras e começou o questionário.

- Você diz aqui que, apesar de ter certeza das boas referências, não se sentiria confortável se eu ligasse para alguma delas. - ela disse, levantando lentamente o olhar da folha de papel para o rosto levemente corado à sua frente .
- Sabe como é, são águas passadas. Elas não vão ter muito o que dizer sobre mim, talvez ainda tenham mágoas...
- Hum, sei. Então terminou com todas elas?
- Não! - negou ele, tentando se defender. - A Judite não quis saber de mais nada. 
- Ah, aqui está o número dela. - respondeu em tom seco, pegando o celular na bolsa e digitando o número de Judite.

Telma era uma mulher de negócios. Se tinha que resolver alguma coisa, não pensava duas vezes e logo encontrava uma solução. O problema é que aplicava esse raciocínio estratégico em todas as relações que tinha, inclusive as familiares e amorosas. Aliás, antes de chamar uma relação de "amorosa", ela se dava ao trabalho de fazer exatamente isso que estava fazendo com um rapaz que conhecera uma semana antes numa galeria de arte: analisava um currículo com as informações pessoais e checava alguns dados.

- Espera! Me diz por que você faz isso... Por que quer me investigar assim se só nos vimos uma vez e conversamos durante um bom tempo? Por que? - indagou o rapaz, que tentava se convencer de o fato de ela ser bonita não compensar tamanha invasão de privacidade.
- Você tem medo, Renan? - questionou Telma, com tom sarcástico e a língua entre os dentes ao dizer o nome dele.
- Você é linda, inteligente, interessante. Mas não vale a pena eu expor meus erros do passado para ter uma chance contigo.
- Hum, você se arrepende de algo que tenha feito? - questionou a moça, como se fosse uma inquisidora disposta a absolver um herege preparado para se redimir. 
- Sim, algumas coisas. Mas é passado! Faz meses que não me aproximo de alguém, e quando me aproximo tem que ser justamente uma mulher como você.
- Renan, fique calmo. - segurou delicadamente os pulsos do rapaz e sentiu a pulsação desacelerar aos poucos.
- Telma, pelo amor de Deus. Vamos sair daqui e tomar alguma coisa num lugar mais agradável? 

Ele pegou o currículo e amassou, fazendo uma bola deformada e atirando de maneira certeira na lixeira mais próxima. Telma arregalou os olhos e aceitou o convite. Dois anos depois ela contaria essa história às amigas, mostrando a aliança de noivado e suspirando:
- Agora o próximo passo é melhorar aquela galeria de arte dele. Cadê meu celular para eu dispensar aquele pintor de Floresta Amazônica? - e se levantou da cadeira para tratar dos negócios do casamento.

Nenhum comentário: