terça-feira, 9 de novembro de 2010

Crônica de uma noite de sexta-feira (em Auckland)

"Sweet dreams 'till sunbeams find you,
Sweet dreams that leave all worries behind you.
But in your dreams, whatever they be.
Dream a little dream of me."

(Dream a little dream of me, de Gus Kahn)

Caminhava lentamente pelas ruas de Auckland em uma noite de sexta-feira à procura de um lugar para jantar que não fosse caro e nem suscitasse uma indesejável melancolia por estar só. Durante o dia tinha visitado o museu e, no início da noite, encontrei um álbum duplo do Django Reinhardt por um preço inacreditavelmente baixo (menos de 8 reais). Isso já tinha valido a minha sexta-feira.
No caminho, vi uma ruazinha estreita com vários bares e decidi arriscar o caminho. Perto dali, virando a próxima esquina, me dei conta de quem realmente sou. Naquele momento o bar do hostel estava cheio de gente, assim como outros bares da cidade, com música alta, bebidas e muita falação. Eu queria justamente evitar isso na minha caminhada noturna e solitária, e me deparar com aquela pequena livraria me fez sentir quem sou. Tudo o que eu precisava era de um bom dicionário inglês para trazer ao Brasil - algo que poderia comprar em uma megastore da cidade -, mas entrar ali e percorrer os olhos famintos, tanto de fome quanto de curiosidade, fez com que eu simplesmente me sentisse a pessoa mais estranha do mundo. Eu poderia querer beber, dançar e conversar àquela hora, mas não: aquela livraria se tornou o local mais agradável no qual eu gostaria de estar (ainda que tenha sido apenas por alguns minutos).
Comprei o dicionário e fui embora, lamentando por não poder comprar todos os livros que quisesse. Uma vontade imensa de escrever sobre como me sentia lutava com outras duas vontades: jantar e ouvir algo que me fizesse sentir em casa (a.k.a. Josh Ritter). Eu também não conseguia parar de lembrar o meu momento "Antes de amanhecer" em Christchurch, quando conheci uma pessoa que me fez sentir algo que há muito tempo não sentia. Brotou uma sensação que não era saudade do Brasil ou da família, mas uma incerteza sobre o futuro e uma certeza de que, esteja onde estiver, eu sou sempre a mesma pessoa.
Minha pequena epopeia noturna chega ao fim no momento em que recordo o que senti e pensei e anoto no caderno, contendo lágrimas ao ouvir algumas músicas - deixando-as escaparem, porém, enquanto ouço "Dream a little dream of me", na voz de Doris Day. A única certeza no momento é que tenho sorte por ser quem sou.

2 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

belo texto. simples e direto.

Alexandre disse...

boas lembranças. :)