sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Pequena surpresa

Cristina e Ana eram irmãs inseparáveis. Passavam muito tempo juntas e raramente brigavam, por isso os pais nem precisavam chamar a atenção das duas. Quando Ana, a mais nova, estava triste, Cristina pegava pincel, papel e guache, sentava no chão da sala e chamava a irmã. Ficavam horas desenhando e pintando figuras imaginárias, como fadas, centauros, duendes e sereias. E se Ana percebia que a irmã mais velha estava chateada, juntava as moedinhas e a convidava para um sorvete na lanchonete da esquina.
Apesar de a família ser muito unida, passava por um daqueles momentos de transição e de superação. A perda do filho fez com que os pais investissem em um projeto de recomeço, em algum lugar distante e cheio de oportunidades. As filhas reconheciam as dificuldades que a família atravessava e evitavam fazer aquelas típicas cobranças a que as crianças geralmente estão acostumadas quando querem alguma coisa ou estão insatisfeitas.
Em uma manhã de outono, Ana acordou falante e decidida: queria fazer algo diferente naquele dia. E foi além quando mencionou que sentia saudades de quando a mãe a vestia de princesa e a levava para brincar com os primos na casa da avó. Sentia falta desse universo fantástico em que podia fingir ser Cinderela, imitar um sapo saltando pelo pântano ou pintar o rosto e fazer a irmã rir de suas palhaçadas ingênuas. Queria incorporar algum personagem que nunca seria – a não ser durante algumas horas, até ter de tomar banho, jantar, dormir e acordar cedo para a escola.
Percebendo que poderia fazer alguma coisa para alegrar Ana, a mãe correu ao pote da cozinha onde guardava algumas economias emergenciais. Contou tudo, separou uma parte e chamou Cristina. Combinaram de fazer uma surpresa à garotinha, ainda que bastante simples. Enquanto a irmã mais velha distraía a caçula em casa, a mãe desceu as escadas do prédio e rumou em direção à papelaria. Comprou o material e escondeu em cima do armário da cozinha.
- Por que vocês não vão comprar chocolates? Veja, tenho o troco do mercado aqui. Ah, Cristina, leve sua irmã para o parque depois. Tomem cuidado e voltem antes das quatro. – sugeriu a mãe, com um jeito tão doce que seria impossível resistir.
As duas saíram correndo pela porta da sala, se divertiram e voltaram conforme o combinado. Quando entrou pulando no quarto, Ana gritou de surpresa. Em cima de sua cama havia um par de asas lindamente decoradas em papel cartão, uma auréola feita em papel laminado dourado e presa a uma haste, e uma roupa que parecia ser uma camisola branca, que a garota certificou ser a velha peça da mãe, cortada para caber nela. Contente, vestiu a roupa e preparou a fantasia com a ajuda da irmã. Horas mais tarde, o pai chegou cansado e abatido. Ana surgiu sorrindo na sala, salpicando delicadamente o chão com as pontas dos pés. Ele não se conteve de admiração e se ajoelhou para abraçar filha, levantando-a do chão como se quisesse fazê-la voar por todos os cômodos da casa.
No início, Cristina sentiu ciúmes ao presenciar a cena. Depois, lembrou que havia desfrutado, bem mais do que a irmã, dos momentos felizes antes da mudança da família. Ficou ao lado da mãe, observando os dois brincarem como se as pequenas asas de papel fossem reais.

6 comentários:

Rodrigo Carreiro disse...

que história singela...

Sunflower disse...

o meu primeiro sorriso sincero do dia ficou aqui.

beijas

Alexandre disse...

Belo texto. :)

fabiana disse...

Ownnnnnnnn!!!!

Tania Capel disse...

meus olhos se encheram de lágrimas... que delicadeza!

Patrícia disse...

E eu chorei!

Lindo, Lu. E divinamente escrito.