sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A melhor impressão

Conversavam os dois, um de frente para o outro. Conheciam-se pouco, nunca haviam tido a oportunidade de se falar assim, sem a interrupção de algum colega bêbado segurando uma longneck de cerveja, incentivando ele a pegar alguma das meninas da festa. Ou então, sem aquela amiga grudenta, que precisa de companhia para comprar energético, ir ao banheiro e até para se aproximar de algum rapaz que considerasse interessante.

- Eu adoro literatura. Sou um devorador de livros, principalmente clássicos. William Faulkner foi o autor que mais me marcou.
- Ai, não acredito! O meu também! Adoro
O som e a fúria. – ela mal conseguia disfarçar a excitação em estar frente a frente com um cara intelectualizado
- Nunca imaginaria isso de você, a moça que vai em balada que toca pagode…

Ele lançou um olhar desafiador, zombando de Clarice. Gostava de impressionar as pessoas, falar sobre si mesmo, mostrando o quanto era inteligente e informado. Mas se ela sabia o nome do livro, talvez estivesse sendo sincera como ele.

- Mas você não se esqueça que foi nessa festa regada a pagode que nos conhecemos. Minha amiga me arrastou para lá, e você parece ter sido arrastado pelo amigo bêbado também.
- Acabo aceitando a situação como uma forma de pesquisa antropológica, ficar observando o comportamento humano sob o efeito de álcool, drogas e música duvidável. Fora o requebrado das minissaias e jeans apertados, apoiados pelos decotes exuberantes. – acendeu um cigarro de marca estrangeira, exalando um aroma oriental envolvente.
- Eu não gosto de cigarros, mas esse aí tem um cheiro bom. Fale mais sobre o que você gosta.

Ela olhava diretamente para Thales, que tragou, olhou para o teto e comentou todos os autores, diretores, filósofos, jornalistas, músicos e pintores que admirava. Ele parecia ter saído de alguma palestra acadêmica dos anos 70, todo blasé e culto, além das roupas propositadamente estranhas.

“Ai meu Deus, esse homem é tudo. Se eu fosse um zumbi, devoraria seu cérebro agora e levaria o resto para me divertir em casa”, Clarice pensou, cada vez mais impressionada e empolgada com a demonstração surreal de conhecimentos gerais. Ele, por outro lado, sentia-se como um vencedor, mais uma vez. “Pronto, a noite aqui já deve estar acabando. Ela está sorrindo muito e não para quieta na cadeira”, concluiu.

- Clarice… como a Lispector… vamos embora? Lá em casa eu te mostro minhas coleções e você vai ficar ainda mais impressionada.
- Meu pai adorava a Lispector, como você adivinhou?
- Ah, você é tão interessante quanto ela. – a resposta ruborizou as bochechas pálidas da moça. – Então, o que me diz? Vamos?
- Sim, quero ver se é verdade tudo isso que me contou agora. – respondeu sem hesitar, enrolando alguns fios de cabelos com os dedos.

Pagaram a conta e saíram os dois: ele com as mãos nos bolsos, e ela vendo as horas no visor do celular.

6 comentários:

Alexandre disse...

Belo novo layout. :)

Alexandre disse...

no mais, bela crônica; algo quase paradigmático sobre o mundinho noturno indie. rs

Paulo Bono disse...

do caralho o encontro e a cena.
mas esse cara, putz! ou é um chato da porra ou é um profissional.

grande abraço

Tania Capel disse...

hum....
sei não! o que ele dirá depois?!?!

beijso e bom find's!

Sunflower disse...

Meu hobbie? deixar esses seres intelectais com a cara arrastando no asfalto. Todo mundo pode ler, ouvir, e ver coisas sem serem cu-de-rola como eles.

O problema desses intelectuais de mei-tigela é que não leem para aumentar a sabedoria e ajudar a humanidade, leem pra ficar "lero-lero-lero, eu li mais que você, agora me observe ir ali para o canto e não fazer nada além de julgar os outros"

Preguiça disso, meu.


Ah, vi que está tudo bem no Layout do reino da Dinamarca.


beijaaaaaas

Cristina disse...

Fiquei imaginando uma continuação "verissimiana" (?) pra essa crônica rs