terça-feira, 3 de março de 2009

Quase mãe

O café estava quente e queimei meus lábios enquanto observava fixamente ela entrar na loja com a criança no colo. Vestia um conjunto social marrom escuro, os cabelos lisos presos com uma presilha dourada e sandália de salto médio. Não era exemplo de elegância, mas despertou minha curiosidade justamente pela autenticidade de não fingir o que sentia: irritação. Notei a pressa que tinha em fazer o pedido, o olhar de soslaio lançado em minha direção, os fios rebeldes escapando da presilha e a impaciência em não ser atendida pelo celular.
Colocou o garoto na cadeira e amarrou o cadarço de seu tênis pequenino. A garçonete levou um copo de suco, uma caneca de achocolatado e uma cesta de pãezinhos recheados e colocou tudo sobre a mesa, perguntando se precisava de mais algum coisa. Ao receber uma resposta negativa com a cabeça, voltou para trás do balcão e atendeu outro cliente.
Atentei-me ao comportamento da moça com a criança. O pequeno deveria ter uns três anos e não se parecia com ela. Enquanto bebia o suco e entregava a pequena caneca ao garoto, aguardava no viva-voz sua chamada ser atendida. Quando ouvi uma voz masculina do outro lado reponder, a moça colocou o celular no ouvido e suspirou.

- Alô? Adriano? Oi! É a Tatiane. Tudo bem, sim, mas estou com pressa. Olha, busquei o Pedro na casa da sua irmã. Você tem certeza de que eu posso deixá-lo no apartamento da mãe dele? Tá, tá… atrasada ainda não estou porque saí uns trinta minutos antes de casa. Ele está tomando café da manhã comigo aqui no Café. Ele tinha acabado de acordar e a gente está comendo uns pãezinhos. Ah sim, pode deixar. Eu tenho o endereço comigo e deixo ele lá. Contanto que sua ex-mulher não fique brava por ter sido eu, tudo bem. Tá bom, beijo. Te vejo à noite. Tchau!

O menino tinha só três anos e os pais já viviam separados. E a namorada do pai, que cuidava dele, até que era atenciosa. Levantei-me e segui ao caixa para pagar. Ela saiu em seguida e ficou atrás de mim, com o garoto no colo, uma malinha no ombro e a própria bolsa. Derrubou sem querer algumas moedas no chão; abaixei-me, peguei e entreguei a ela. Sorriu e agradeceu.

Fora da loja, ela me perguntou o que eu fazia lá.

- Tomando um café…
- Você queria me ver descabelada com o filho do Adriano, né?
- Nesses tempos modernos, a primeira pergunta que você tem que fazer quando conhece um cara é “tem filho?” e não “é casado?”.
- Tá bom, tá bom. Eu vou dizer para ele que não dá mais.
- Até que você dá uma boa mãe. Mas porque é então que vai ver ele hoje à noite?
- Vou terminar. Três meses, mais não dá.
- E daí então vai ser só comigo?
- Você tem filho?
- Sai comigo há três semanas e só agora vem perguntar? Filho não, mas tenho cachorro.
- Ótimo!

E seguiu para o ponto de ônibus, com o garoto no colo e as bolsas sacolejando nos ombros delicados. E, nesse momento, percebi que havia esquecido de colocar ração para o Tito.

5 comentários:

NiNah disse...

Eita, vida!
Bjos

Lu. disse...

"Nesses tempos modernos, a primeira pergunta que você tem que fazer quando conhece um cara é “tem filho?” e não “é casado?”."

Pois é... Triste realidade.

Anônimo disse...

Estou retribuindo a visita feita a meu blog e gostei muito do que li e vi por aqui. Parabens.
Bjos,
Ly

Alexandre disse...

Todo bom café dá uma boa crônica. :)

Sunflower disse...

se o cara tiver filho, por mim tudo bem. se for casado, não.

Sou vanguarda.