terça-feira, 21 de junho de 2011

Impressões pessoais sobre Meia Noite em Paris

Fantasia. Delírio. Realização. O sino mal anuncia que é meia noite em Paris e o roteirista de Hollywood e aspirante a escritor Gil Pender se prepara para uma deliciosa viagem ao seu período preferido: a década de 1920. Na Cidade Luz em plena efervescência cultural, intelectuais norte-americanos, franceses, espanhóis, italianos e outros, se reúnem e discutem arte. Literatura, pintura e cinema jamais viveram um período tão interessante e marcante - pelo menos é o que Pender imagina. Na sua primeira visita a esse mundo de sonhos, ele logo (re)conhece Zelda e o marido F. Scott Fitzgerald. No bar, Cole Porter toca e canta Let's Do It. Todos bebem, conversam e dançam alegremente. Como não se apaixonar por essa visão romântica da Era do Jazz?
Um dos cineastas norte-americanos mais nostálgicos de todos os tempos, Woody Allen acerta em cheio no roteiro e na direção de sua mais recente empreitada cinematográfica. Aliás, a própria escolha de Owen Wilson como protagonista é surpreendente e correta. Eu diria que Wilson, aliás, é o melhor alter-ego de Allen desde o próprio Allen. E olha que nesse quesito ele tem concorrentes de peso, como John Cusack (Tiros na Broadway) e Larry David (Tudo Pode Dar Certo).


Nasci na época errada?
"O que eu tô fazendo aqui?"
Assim como eu já me questionei algumas vezes sobre ter nascido na época errada, pois os anos 1920 exercem um estranho fascínio sobre mim, Pender não tem dúvidas de que deveria ter vivenciado a década dourada. Tratando-se de um escritor, um verdadeiro aspirante a artista, não é de se estranhar que se sinta deslocado na era atual: seu livro de estreia tem como tema uma loja retrô, além de ele preferir a Paris nostálgica à metrópole moderna. A noiva, por outro lado, é uma mulher prática e consumista, influenciada pela mãe igualmente fútil. Enquanto o escritor gosta de pequenos prazeres, como caminhar tranquilamente sob a chuva e simplesmente admirar a paisagem urbana ao seu redor, Inez é apressada e impaciente, além de menosprezar o sonho do noivo de abandonar a profissão de roteirista e largar a vida luxuosa, porém vazia, em Beverly Hills. É por meio da idealização de Pender que o filme levanta uma questão um tanto quanto reflexiva: por que algumas pessoas insatisfeitas, seja com a época na qual vivem ou por outros motivos, preferem idealizar um período, com base apenas nos registros do que ele hipoteticamente teve de bom, ao invés de tentar encontrar a felicidade na contemporaneidade? Um homem do século XXI sonha com os anos 1920; uma jovem desse período quer reviver a Belle Époque; artistas da década de 1890 menosprezam esse "presente" e elogiam a genialidade renascentista... talvez o problema real esteja nas nossas escolhas e percepções. 


Diogo Mainardi em Paris?
Um tipo (bem) pedante
Além de chatinha, a noiva de Pender não disfarça que se derrete por um ex-professor que encontra ao acaso em Paris (nota: o cara é comprometido e a esposa está com ele na cidade). O tal é um intelectual pedante e até deselegante a ponto de se esforçar para mostrar sua superioridade para uma guia turística que o corrige a respeito de um fato pertinente à vida pessoal de Rodin, algo que claramente irrita Pender e provoca grande admiração em Inez. Imagine você ir a um museu e querer simplesmente admirar uma pintura enquanto um pentelho fica o tempo todo falando para mostrar o quanto sabe, pensando que está fazendo um grande favor ao agir como um tutor super instruído. É exatamente por isso que Pender prefere as andanças solitárias pela cidade e aguarda ansiosamente pela meia noite para rever seus velhos colegas e um novo amor.

Os Fitzgerald, um casal meigo
Referências delirantes
As referências a artistas do período simplesmente me fizeram delirar, principalmente porque li a obra de Ernest Hemingway sobre a época em que viveu em Paris, trabalhando como jornalista correspondente e tentando escrever contos para sobreviver na capital francesa. O livro em questão é citado pelo próprio Pender e se chama Paris É Uma Festa (A Moveable Feast). E como O Grande Gatsby, de Fitzgerald, também é um dos meus livros de cabeceira, ver Tom Hiddleston interpretando o autor foi um momento de êxtase (sim, o Loki de Thor tem uma participação pequena, porém fundamental, ao lado da igualmente ótima Alison Pill). Gertrude Stein, que também reconheci graças a Paris É Uma Festa, toma parte na história, assim como Pablo Picasso, Salvador Dalí, Man Ray e Luis Buñuel (nota: é impressionante como os diretores de elenco conseguiram atores realmente parecidos com as personalidades que interpretam).


Um Hemingway fora de série

Moçoilos, sim!
Embora a mais recente empreitada cinematográfica de Woody Allen não seja do tipo que recebe registros de impressões femininas, por ser algo mais profundo, ela tem seus momentos de palpitações apaixonantes. Por exemplo, o já citado Tom Hiddleston está simplesmente insubstituível como Fitzgerald. Adrien Brody dá o ar de sua graça como um divertido Salvador Dalí, enquanto Corey Stoll constrói um Ernest Hemingway atormentado pelas lembranças da guerra, mas muito macho para dar em cima da mocinha.


O veredito
Pausa para a foto
Meia Noite em Paris contém o mesmo clima deliciosamente fantasioso de A Rosa Púrpura do Cairo e de Todos Dizem Eu Te Amo, sendo que neste último o personagem interpretado por Woody Allen é um escritor que realiza o sonho de viver em Paris. A nostalgia, por outro lado, remete a A Era do Rádio, que retrata o início dos anos 1940. Neste novo filme, Allen, deixa de lado a religião e ameniza a neurose do protagonista, mas dá os seus pitacos em relação à política e, principalmente, aos republicanos. O resultado é um filme leve, mas que faz refletir a todo momento, com um elenco estelar no qual cada ponta é motivo de burburinho (será que só eu achei o máximo a escolha de Gad Elmaleh como o detetive?). É para ver, rever e relembrar.

Um comentário:

Rodrigo Carreiro disse...

Filme fantástico, cheio de vida... revigora qualquer um